Crítica da peça “Porcos com Asas”

porcos com asasO espetáculo “Porcos com Asas – A descoberta da sexualidade” foi adaptado do livro italiano “Porci com le ali – diario sessuo politico de duo adolescenti”, de Marco Radici e Lidia Ravera, lançado no Brasil em 1981 e que desde então teve vários adaptações nos palcos do país. A história de dois jovens (Rocco e Antônia) envolvidos com questões relativas aos anseios da adolescência (impacto das experiências sexuais, amizade, carência de afeto, família e a sensação de nunca ser ouvido) com um pano de fundo político, vinha bem a calhar com a nossa realidade comportamental de abertura pós-ditadura. Esses protagonistas serviram de muita identificação, com questionamentos de diversa estirpe (e considerados ousados) para a juventude brasileira daquela época.

Pois bem, esse é um dos grandes problemas que a montagem atual de Cláudio Handrey (já tinha executado uma versão da mesma em 1995, revelando o ótimo ator Murilo Rosa como Rocco), em cartaz na arena do Espaço Sesc (em Copacabana) possui: só lá pelo final do espetáculo é que o espectador tem a certeza absoluta em que contexto histórico se passa a história. A ótima trilha sonora nostálgica (com Beatles, Barry White, entre outros) e o figurino de Felipe Ferraz, não são suficientes para nos trazer esse enquadramento.

Os debates políticos diversos do texto acabam se mostrando bastante atemporais e também não são suficientes para nos situar. Porque estou insistindo nesse questionamento? A maior parte do texto adaptado por Mario Sergio Medeiros, trata explicitamente de questões ligadas a descoberta da sexualidade de forma um tanto explícita e despudorada (masturbação, fetiche, homossexualismo, etc). Na época do seu lançamento, chocou, impactou e a diversos embates e reflexões aflorou. Para os dias de hoje, com toda a revolução sexual que tivemos desde então, ele tem efeito contrário, se tornando óbvio e pueril (a não ser que o espectador adolescente seja o público-alvo e mesmo assim, teríamos controvérsias!).

O impacto dentro do contexto apresentado na peça teria ocorrido perfeitamente, se fôssemos desde o início apresentados de forma clara ao momento histórico vigente. E para isso também, esse mesmo texto teria que ter sido BEM melhor trabalhado, principalmente por um dos seus protagonistas, Rafael Canedo, o intérprete de Rocco.

Sua atuação contribui para quase botar tudo a perder, “vomitando” suas passagens de forma desleixada, fazendo com que a mensagem repleta de humor negro daquelas situações expostas de descoberta explícita, provoquem mais sono do que possíveis risos. Sua construção de personagem é absurdamente equivocada, já que o Rocco descrito no livro era um pouco ingênuo, afoito e tímido e não o autêntico estereótipo do “bobão” irritante que vemos em cena. Proposta da direção ou ineficácia com o trabalho mesmo? Mas o corpo do ator é escultural, remetendo aos ideais clássicos gregos de beleza, praticamente um maciste! Será que isso contribuiu para sua escolha, já que o espetáculo apresenta cenas de nudez? Não deveria…

Para compensar, a protagonista Antônia defendida por Andressa Lameu, nos apresenta belos momentos, principalmente quando não tem que contracenar com seu par na história. Nessas cenas ela acaba não rendendo o esperado, pois a troca acaba se tornando altamente prejudicada. Uma interpretação mal conduzida, pode ser altamente nociva em todos os sentidos e este é um exemplo claro. Em compensação, Patricia Ramalho como a mãe de Antônia, rouba a cena, construindo um tipo hilariante e inesquecível, em magistral atuação. Iury Kruschewsky como um dos amigos de Rocco, também se sai muito bem, conseguindo arrancar boas gargalhadas do público. O restante do elenco esta bastante seguro, com um destaque acima para Julianne Trevisol, que brilha nas cenas como a melhor amiga de Antônia.

A simples e contundente cenografia de Zanini de Zanine, com o uso só de cadeiras, já tinha sido executada na versão de 1995, a exemplo da direção na belíssima cena de sexo, feita com o recurso cênico do afastamento. Reedição proposital ou falta de criatividade? Não lembro como eram as cenas de abertura e encerramento na montagem anterior (são quase 18 anos, né?), mas estão muito bem coreografadas na sua proposta, causando um ótimo efeito visual com sua marcação. A luz de Leysa Vidal se mostra correta em sua condução.

O espetáculo recebeu várias indicações durante o Festival internacional de Teatro de Angra (FITA) em 2012, recebendo os prêmios de Melhor Espetáculo, Melhor Atriz Coadjuvante (Patricia Ramalho) e Melhor Ator Coadjuvante (Iury Kruschewsky). De quinta a sábado as 20:30 e domingos as 18:30.

Por Alessandro Iglesias

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