Crítica do espetáculo teatral “Uma História à Margem”

CHACAL

O local não poderia ser mais apropriado: o porão da Casa de Cultura Laura Alvim, onde na década de 70 a proprietária que dá nome ao emblemático centro cultural, cedia uns “escombros” (denominação essa do próprio) que tinha na casa para que o grupo teatral “Asdrubal Trouxe o Trombone” pudesse realizar seus ensaios perto do posto 9, point absoluto da trupe na época. Entre eles, um jovem poeta tentava se reafirmar de todas as formas com textos teatrais, pois afinal de contas, aquele estilo anárquico do grupo em plenos tempos de ditadura militar, era tudo que Ricardo de Carvalho Duarte, o Chacal, queria para sua vida.

Essa é uma das muitas passagens que nos deparamos em “Uma História à Margem”, adaptação do romance autobiográfico homônimo lançado em 2010, onde o próprio autor num tom intimista e em alguns momentos explosivos (exatamente como se reafirmou poeticamente em seu estilo performático), atravessa toda a sua trajetória pessoal e acaba nos dando um precioso registro memorial da efervescência cultural brasileira nas últimas quatro décadas. E tome viagens lisérgicas, movimento estudantil, poesia marginal dos anos 70, rock’n’roll como trilha sonora mor, divulgação de textos em papel mimeografado, a experiência com o Asdrubal, encontros vitais com Walli Salomão e Alan Ginsberg, prisão, acidentes graves que sofreu, criação do Circo Voador, ascensão da Blitz e a instalação do CEP (Centro de Experimentação Poética) 20.000, que está há 23 anos na ativa, tendo lançado uma infinidade de talentos. Muitas narrativas saborosas, sinceras e grande parte das vezes impressionante, mas claro, entremeadas com MUITA poesia e o vigor experimental que já é de praxe do próprio, nessa sua singela experiência cênica.

O despojamento oferecido é facilmente assimilado, pois mesmo quem não conhece Chacal, não precisa de muito tempo para automaticamente se familiarizar com seu universo. A cenografia de Andre Wéller só reforça isso com adereços cruciais para esse situamento, como uma vitrola que reproduz o tradicional som de vinis ao vivo, um megafone, um lençol alçado a parangolé e vamos parar por aí para não estragarmos surpresas. Assim como a direção de Alex Cassal, fazendo com que liberdade seja a palavra de ordem, em que marcações e textos são nitidamente vitimizados pelo improviso em sua urgência e também a excelente trilha sonora de Rafael Rocha, da banda “Tono”. Fica a linha tênue se estamos realmente assistindo a um espetáculo teatral ou mais uma de seus intensos arroubos performáticos, tendo a verborragia poética como a única certeza plena de todo esse processo. A palavra em se tratando de Chacal, sempre vencerá no final…

Impressiona a extrema vitalidade aos seus 61 anos, mas isso acaba se tornando menor mediante todo o desnudamento sem nenhum tipo de censura à que somos acometidos, com um dos desfechos mais pungentes dos últimos tempos em um palco da cidade do Rio de Janeiro. Com certeza, deveras inesquecível para quem o desfruta. Uma frase do próprio Chacal, determina bem o que é o espetáculo e porque o mesmo esta devidamente inserido claramente no seu próprio eu interior e em sua trajetória de vida, apesar das várias possibilidades e facetas no qual se mostra: “Para o mundo acadêmico sou um poeta descartável, de poucos recursos e de baixo repertório. Para o mundo pop, um escritor, um intelectual, um crânio. E todos tem razão. Menos eu. Menos eu”.

Terças e quartas, no porão da Casa de Cultura Laura Alvim, as 21h, até o dia 29 de Maio.

Por Alessandro Iglesias

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