Gal Costa e Fatoumata Diawara, grandes estrelas da noite

Último dia do Back2Black festival

Nesse último dia de Back2Black, os horários dos shows foram remanejados para mais cedo em virtude de ser um domingo, mas de qualquer forma teríamos motivos de sobra para não perder o primeiro show no palco principal. Gal Costa, uma das maiores vozes do Brasil e que parecia estagnada na insistência de um repertório não condizente com seu grande talento, vem revigorada com o disco “Recanto” (produzido pelo parceiro de Tropicalismo Caetano Veloso), investindo num corajoso trabalho experimental que flerta com sonoridades eletrônicas. E esse álbum foi o mote principal do roteiro de sua apresentação, como denunciou o inicio minimalista e intimista com as pérolas “Da maior importância”, “Tudo dói” e “Recanto escuro”. O que poderia deflagrar uma suposta frieza por parte do público, teve o efeito completamente oposto. Porque???? Pois simplesmente é Gal Costa que está cantando e mostrando uma forma inacreditável com sua voz, gerando um efeito hipnotizante e uma das maiores ovações de todo o festival! Ainda mais com um repertório de tantos clássicos, como “Divino Maravilhoso”, “Folhetim”, “Baby”, “Vapor Barato”, todas repaginadas brilhantemente pela excelente banda de apoio e levantando de vez a audiência do público bastante heterogêneo, que passeava por várias gerações.

Muito divertida a imitação de Tim Maia em “Um dia de Domingo”, canção eternizada por um dueto entre os dois e a ultra dançante “Miami Maculele”, que mistura eletrônico, sutilmente o “tamborzão” do funk e ritmos africanos, colocando o povo para se esbaldar! Tempo estourado, o bis foi pedido literalmente no grito, mesmo com os técnicos já começando a desmontagem da aparelhagem. Improvisaram uma “Meu bem, meu mal” cantada na maior parte do tempo pelo público e saiu com o povo implorando por mais um bis por aproximadamente 10 minutos, mas não teve como rolar, uma pena! Lindo! A Gal já valeria por todo esse dia do festival. Vários colegas da imprensa muitas das vezes utilizam a forte palavra ANTOLÓGICO para descrever um grande show. Não a empreguem em vão pessoas, mas esse show sim, certamente merece-a com todo louvor!!!

No palco alternativo, infelizmente a paraense Dona Onete fez sua apresentação quase junto com todo o set da Gal, o que fez esvaziar seu show. Uma pena, pois sua participação estava agradando bastante, com um repertório dividido entre carimbós e boleros com divertidíssimas letras de fossa, com aquele clima de jukebox tocando em casa suspeita de beira estrada. Acabou de lançar seu disco de estreia aos 73 anos de idade e promete bastante! Mais um ponto positivo para a efervescente cena paraense.

Em seguida Daúde, mostrou com bastante vigor a sua já conhecida competência em misturar black music com música brasileira e foi muito bem recebida. Aliás essa frase gera uma grande controvérsia: música brasileira não é música negra??? O samba com suas origens afro, não é a maior influência de nosso cancioneiro??? Se não fossemos considerar a coisa dessa forma, Gal Costa não estaria no casting do Back2Black, não acham?

Então tivemos Fatoumata Diawara no palco principal. Seu país de origem, o Mali, tem tanta tradição musical, que reza a lenda que o Kora (guitarra primitiva local) foi uma das maiores influências na concepção do blues, trazido pelos escravos negros para os campos de trabalho na América. O já saudoso e lendário Ali Farka Touré (multi-instrumentista, primeiro malinês a despontar mundialmente) é um grande exemplo do poderio sonoro que circunda essa nação do oeste da África. Denunciou em 1990 que a profusão de talentos em sua terra só não era mais dissimulada, em virtude da ausência de estúdios locais. Mas os tempos felizmente são outros e a diva Fatou (como é chamada), radicada em Paris, é a nova “bola da vez” da música malinesa. Seu disco de estreia teve participação do mestre John Paul Jones (baixista e arranjador do Led Zeppelin), só pra terem uma ideia da badalação que cerca o nome da moça.

O inicio da apresentação nos presenteou canções com a sonoridade mais aprofundadamente étnica de todo o festival e no formato acústico. Já nos chamava a atenção suas incríveis linhas vocais, a beleza nos timbres das composições e a imponência de sua figura. Mas aí começou o grande trunfo do show: o repertório foi cada vez mais incorporando groove de forma crescente e então pudemos presenciar a passagem do furacão Fatou! Sua entrega no palco (transe total e absoluto) e seu carisma nos saltam aos olhos e é impossível não se cativar. A sua dança em homenagem a todos os países do continente africano (cada um deles foi saudado), foi um daqueles momentos que nunca serão esquecidos para quem estava presente. Simplesmente fenomenal!!! Ao contrário do que comentei sobre Nneka no primeiro dia do Back2Black, Fatoumata Diawara merece qualquer status e consagração positiva nesse momento de sua carreira, pois é fora de série, um fenômeno! Mais um grande momento naquele palco…

Mas nesse dia a concorrência foi pesada, porque no outro espaço o Dj Sany Pitbull comandava um bailão da pesada, com participação do Afroreggae e do “funk brother soul” Gerson King Kombo (com seu característico figurino que lhe é peculiar, a la James Brown), com muitos passinhos coreografados comendo solto na pista, como manda a tradição das festas black! E debaixo de chuva torrencial, mais uma cena bonita de se ver! O negócio tava tão animado que acabou roubando a cena da atração principal da noite, pois a pista continuou bombada a todo momento.

Santigold representou o grande momento pop dessa edição 2012 do Back2Black. Com visual futurista, irreverente e performance teatral (lembrando bastante os oitentistas do Devo), faz um R&B com pitadas modernosas, mas pesado e com influência direta dos anos 80 (musicalmente também traz algo do Devo, olha eles aí de novo!). Impressiona muito pela sua exótica beleza e sua potência vocal, com timbre digno das grandes cantoras de soul da história. Acabou valendo pela diversificação, mas depois de Fatou, qualquer um que pisasse naquele palco teria problemas em manter a empolgação da audiência, ainda mais com a festa dos “mandamentos black” comendo solta no outro palco. Repertório até agrada, mas não está ao alcance de sua bela voz. Dj Corello, outro grande nome do charme carioca, trouxe o baile dessa vez para o palco principal no encerramento dos trabalhos.

Não é a toa que o Back2Black já marcou a agenda do calendário cultural da cidade do Rio de Janeiro. O alto nível cultural é percebido em todo o cuidado que a curadoria desprende e isso acaba se manifestando na própria seleção do público. E há muito tempo não presenciávamos uma ambientação com tanta gente ligada unicamente ao fator música, chegando até a nos causar estranhamento, de tão positivo que soa em detrimento a outros eventos que vemos na cidade. Expectativa total já para a quinta edição em 2013, que seja bem vinda!!!

Texto: Alessandro Iglesias

Fotos: Gabriela Esteves

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