“Lado a Lado” é um folhetim clássico com ares “cult”

Estreada na semana passada em substituição a Amor, Eterno Amor, Lado a Lado vem com uma proposta interessante e qualitativa para a faixa das 18h – a que mais tem emplacado boas produções em sequência na Globo, como Cordel Encantado e A Vida da Gente (2011). Ambientada no início do século XX, a novela consegue carregar no teor histórico e político da época sem distrair-se dos elementos clássicos do folhetim, fazendo-se uma opção atrativa tanto para o público mais cult quanto para os que não exigem mais do que uma narrativa entretida.

É bem verdade que as qualidades do texto de João Ximenes Braga e Cláudia Lage – em seu primeiro trabalho como autores titulares, supervisionados pelo experiente Gilberto Braga (Vale Tudo, Insensato Coração) – não ficaram evidentes logo de cara. Os dois primeiros capítulos pecaram por serem ricos em referências históricas e pobres em ação, dando margem ao temor prematuro de que Lado a Lado viesse a ser uma trama documental. Somente a partir de quarta-feira (dia 12), com os casamentos das duas protagonistas, Laura (Marjorie Estiano) e Isabel (Camila Pitanga), o enredo cobrou força e começou a se desenvolver a contento.

Há que se deter um pouco mais a respeito desse terceiro episódio. Que capítulo formidável! Diálogos, acontecimentos, o modo como, naquele primeiro encontro entre Laura e Isabel, um momento tão próximo e ao mesmo tempo tão distante na vida de ambas, o destino de uma influenciou indiretamente o destino da outra – lado a lado, como já afirma o título.

A história de Laura e Edgar (Thiago Fragoso), que se casam sem estar apaixonados e quase sem ter convivido, tem todo o potencial de cativar o público. Se as convenções sociais e as manipulações da mãe dela, Constância (interpretada sob medida por Patrícia Pillar), conseguiu juntá-los contra a vontade, o caráter forte e idealista de ambos pode – e seguramente irá – aproximá-los afetivamente. Chega a lembrar, apenas em alguns aspectos, a relação controvertida entre Aurélia Camargo e Fernando Seixas no clássico da literatura Senhora, de José de Alencar, que também serviu de inspiração para a novela de época Essas Mulheres (2005). O nível artístico de Lado a Lado, aliás, faz lembrar em muito a memorável trama de Marcílio Moraes na Record.

Outro ponto a se citar é a participação dos vilões. Bem-delineados, são convincentes sem serem necessariamente humanizados. Constância, por exemplo, passa por cima de tudo e de todos movida nada mais que pela ambição de recuperar seu título de baronesa, perdido graças à instauração da República. A ardilosa Berenice (Sheron Menezzes) também se encarregou de movimentar os conflitos de Isabel e Zé Maria (Lázaro Ramos). Isso é importante porque, sem ferir o padrão de qualidade estabelecido, facilita a identificação do público de massa ante a proposta algo erudita da obra.

O elenco é bem equilibrado. Marjorie Estiano se vê irretocável como a determinada Laura, enquanto Camila Pitanga encontrou o meio termo exato entre a doçura e a força de Isabel. Já Thiago Fragoso se vê bem mais expressivo e afinado do que na maioria de seus trabalhos anteriores. Milton Gonçalves (Afonso), Lázaro Ramos, Rafael Cardoso (Albertinho) e Caio Blat (Fernando) completam os melhores desempenhos dos núcleos principais. Vale citar os naturais Susana Ribeiro (Tereza) e Emílio de Mello (Guerra), que já chamam a atenção entre os coadjuvantes.

A direção geral de Dennis Carvalho (Insensato Coração) é o pilar da qualidade do folhetim. Cenas de ação como a luta entre policiais e moradores do cortiço foram muito bem produzidas por ele e sua equipe. A cenografia é bela e detalhista, o que a sensibilidade da fotografia e do movimento de câmera realça constantemente. Os ambientes mais luxuosos como os mais humildes são cenografados sob a mesma ótica verascível, ao invés de buscar a suntuosidade geral como em outras produções. A favela para onde se mudam Isabel e o pai após a demolição do cortiço, por exemplo, é retratada em toda a sua simplicidade, à distinção do que a Globo fez por exemplo em Duas Caras (2007), “glamourizando” o aspecto físico da comunidade da Portelinha.

Se há algo a criticar em Lado a Lado, é um certo tendencionismo que ora se evidencia na parte política do texto. Retratar os aristocratas do Rio de Janeiro como vilões até pode ser entendido como uma exigência do folhetim clássico, agora, estabelecer através disso um contraste gritante com a comunidade da favela, onde quase todos são bons-moços e já até foi dito que “dividem tudo e se ajudam em tudo”, pode ser meio inapropriado. Outras cenas importantes do enredo desta primeira semana acabaram soando um pouco forçadas, como Isabel e Laura já se tratarem de “amigas” logo após se falarem pela primeira vez na igreja, ou a forma como Laura e Edgar se abriram sobre seus reais sentimentos um pelo outro. Não compromete significativamente o desempenho da novela, mas é algo a se prestar atenção.

 

Por Felipe Brandão

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