“O Canto da Sereia” teve mais produção do que conteúdo

Microssérie tem boa direção, bom elenco… e o puro lugar-comum dos enredos noir

O Canto da Sereia é uma microssérie que marcou mais pela repercussão do que pela real qualdiade. Apresentada em 4 capítulos pela Globo na semana passada, a história lançou mão de todos os clichês possíveis entre o assassinato da protagonista à revelação do autor do crime – à única diferença de que, ao invés da Londres fria e apática dos romances de Conan Doyle ou da Filadélfia intensa e implacável dos episódios de Cold Case, o cenário desta vez foi a esfuziante capital baiana em época de Carnaval.

A transposição do thriller clássico a um contexto moderno e essencialmente brasileiro é bem-feita, mas não surpreende. O roteiro de George Moura, Patrícia Andrade e Sérgio Goldenberg – adaptado do livro original de Nelson Motta – até se sobressai pelos diálogos afiados e pela trama bem-amarrada, mas lhe falta um verdadeiro diferencial. Nada na narrativa, desde a enunciação da lista de suspeitos à desfragmentação não-linear dos mistérios que envolvem Sereia, consegue ir além do tradicional. Elementos que podem não ser tão banais para a linguagem televisiva, mas, estendendo-se o olhar ao cinema e à literatura, dificilmente empolgariam mais que o telespectador-médio – talvez daí os altos índices da microssérie no Ibope.

A trama de Sereia conteve de tudo: do relacionamento homossexual com sua empresária, Mara (uma densa Camila Morgado), ao tumor cerebral que acometia a protagonista, cada novo acontecimento só vinha reforçar o tom de tragédia grega, óbvia e carregada, que a programa trazia. As aventuras sexuais dos personagens principais, por sua vez, deram uma desagradável aura de apelação e promiscuidade ao enredo. A revelação das origens de Sereia – órfã de pai e mãe, foi adotada por uma tia, que a maltratava e cujo marido seduziu, numa vingança que levou a outra literalmente à loucura… – não foi apenas desnecessária, como o tempero que faltava para passar do paladar baiano ao mexicano.

Nem mesmo a revelação do travesti Só Love (João Miguel), maior fã de Sereia, como o assassino deve ter conseguido causar o frisson que O Canto da Sereia prometia, ao menos não para o telespectador com o mínimo de capacidade dedutiva ou de imaginação. Apesar disso, o flashback que traz esse segredo à tona ficou marcado como a grande sequência da série, onde atingiram seu ápice as atuações do grande João Miguel e de Ísis Valverde – que, embora levemente desencontrada nas primeiras cenas de Sereia, não demorou a mergulhar completamente no universo da personagem e fez dela o trabalho mais denso de sua carreira.

O elenco como um todo esteve bem equilibrado. O outrora apagado Marcos Palmeira dá continuidade à boa fase de sua carreira, inaugurada com o Sandro de Cheias de Charme, desta vez em um papel completamente diferente do anterior. Gabriel Braga Nunes, Marcelo Médici e Fábio Lago foram outros destaques. Na contrapartida, lamenta-se o desperdício do excelente Marcos Caruso na pele do governador JB, cuja expressividade na trama esteve muito aquém de seu potencial.

O Canto da Sereia chamou a atenção ainda pela abordagem crítica dos bastidores da indústria do axé music, ressaltando de forma discreta os interesses políticos e comerciais que se escondem por trás da música baiana e do Carnaval; e pela esmerada qualidade técnica e artística, com destaque para a direção acertada e irrepreensível de José Luiz Villamarim.

O Canto da Sereia não foi daquelas minisséries que marcam época. A harmonia entre direção, elenco e produção de arte acabaram se sobressaindo à própria narrativa, que, verdade seja dita, pouco tinha a oferecer em termos de novidade. Não se trata de um produto ruim, mas provavelmente o mais fraco dentre os que a Globo está apresentando no início deste ano, em sua segunda linha de shows.

 

Por Felipe Brandão.

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