O grito feminista de Fernanda Branco Polse

O feminismo entrou na vida de Fernanda Branco Polse como um grito de liberdade de ser mulher e artista. Ter a coragem de cantar sobre temas do feminino sem ter medo de ser expor e mostrar que a mulher tem desejos, fraquezas, forças, convicções e caminhos plurais, pontuam as dez faixas que compõem o álbum de estreia da artista, Bicho Branco Polse, que foi lançado em outubro de 2016.

“Sendo mulher o feminismo já estava destinado a me encontrar. E acho que ele me encontrou de forma tímida ainda jovem. Sempre tive essa pulga atrás da orelha e um dia ela virou um cão que late. Diante de tantas denúncias e constatações não tem como ficar em cima do muro. Eu sempre falo que o feminismo é uma lente permanente e uma vez que ela se instala nas suas retinas, você não tem como fingir que não é com você. E isso é revolucionário!”, conta Fernanda.

Bicho Branco Polse compartilha intimidades através de relatos sobre um estar no mundo ímpar, sem contornos simples, com a bravura de querer perceber a vida com atenção, com cuidado, com coragem, com delicadeza, fazendo emergir uma paisagem sonora e imagética. Suas músicas também alcançam uma dimensão política, ao que ela diz:

“Não sei como seria escrever de outra maneira sendo sujeito político. Compor uma música e colocá-la no mundo é um lugar de fala que eu não ocupo por bel prazer. É algo que eu faço com muita responsabilidade. Uma mulher com um microfone é um perigo. Um perigo que eu adoro correr. E adoro quando outras mulheres correm o perigo de falar e amplificar suas vozes”.

A canção que abre o disco, “Cisne”, já dá a tônica do que você vai encontrar nas outras músicas, que mesclam o trip-hop, com músicas em downbeat -, passando por dub, progressivo, eletrônico, jazz, soul e MPB. Nesta canção, Fernanda fala sobre desejo e sobre a força de ser uma mulher livre e forte, como um cavalo que corre em direção ao mar. A música foi escrita há 5 anos em dia de chuva em Belo Horizonte, cidade em que residia à época, e tem a citação do texto dramatúrgico Por Elise, da artista mineira Grace Passô. Fernanda nasceu em Londrina (PR).

O trecho diz: “pra eu ser forte como um cavalo novo com fogo nas patas correndo em direção ao mar”. Fernanda acrescenta: “eu não posso estar embocada ao seu falo”, ao que ela explica:

“Sou mulher forte como um cavalo e eu corro em direção ao que quero. Posso conquistar coisas por mim mesma, não preciso estar embocada ou à custa de um homem, um falo, um casamento. E se eu quero ser tudo isso que eu desejo eu preciso estar disposta a abrir mão de algo, pois existe um privilégio de ocupar esse lugar. Sinto que eu fui por muito tempo a namorada de alguém, a mulher de alguém. Eu me definia um pouco por quem me relacionava. O machismo é algo muito triste, pra não dizer criminoso, e eu escolho o tempo todo um caminho que não compactua com isso. É algo que você tem que estar muito atento e forte, sempre atualizando suas percepções”.

O disco foi financiado de forma totalmente independente pela artista e foi lançado em parceria com o selo mineiro La Femme Qui Role e produção de Leonardo Marques (Transmissor). E participações de grandes músicos e amigos: Nara Torres na percussão (Iconili), Dieguile Batista no baixo (Coletivo Dinamite, Electrophone), Gustavo Cunha nas guitarras (Iconili, Congo Congo), Pedro Hamdan na bateria (Transmissor, Congo Congo), Henrique Staino no sax (Graveola, Iconili), Victor Magalhães no trompete (Teach me Tiger, Congo Congo). Além da participação luxuosa de Marcelo Veronez na faixa Soho Grand Hotel.

As músicas são de vários momentos da vida de Fernanda. Algumas nasceram durante o processo de gravação, ao se sentir num fluxo criativo muito potente com a experiência imersiva de gravar, como Oxossi e Wet For Her. Já outras são antigas coleções de escritos e mensagens. Lichia nasceu assim.

A amiga e artista Carolina Sanches (Caburé Canela) mandou uma mensagem via SMS para Fernanda em um dia qualquer dizendo: “meu peito por fora parece uma lichia por dentro”. Ao passo que ela respondeu: “meu colo é mais escuro que a noite”. Anos depois, nasceu a canção. Uma das características de Fernanda Branco Polse é justamente ter canções com letras mais curtas, como é o caso de Deserto, Soho Grand Hotel e a própria Lichia.

O processo de criação guardou surpresas e nem tudo foi como previsto. Pillow Fight que em princípio era para ser um samba de fossa sobre a febre de estar apaixonado, acabou incorporando uma forma eletrônica, “numa versão mais James Blake do Brasil”, ela brinca.

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