Alfamor apresenta ONÇA, seu disco de estreia
Depois de revelar os singles Paô, Babylon e Sábado Sangue, Alfamor estreia com o álbum ONÇA (YBmusic) nesta sexta-feira, 04 de setembro. Mesmo num clima de incertezas, em meio a pandemia da Covid-19, que atrasou todo o planejamento da artista (a ideia inicial era lançar o disco em abril), ela vem em alto e bom som, produzida por Saulo Duarte. Com sete faixas, hoje o destaque fica para Morada, uma parceria com a dupla argentina Perotá Chingó. Vale, inclusive, uma atenção especial para as participações do disco: de Mateus Aleluia em Paô, a MãeAna e Arthur Braganti em Sideral Sinistro, e Bruno Capinan, em Babylon. Ouça ONÇA aqui.
ONÇA é um álbum de composições autorais que aborda, em suas letras, temas contemporâneos e reflexões sobre ser mulher, autoconhecimento, política e espiritualidade. Nos arranjos, a ancestralidade do tambor se faz presente, assim como a potência de ritmos como o reggae, o rock e latinidades, tudo sob uma ótica pop contemporânea em que a artista consegue expressar as nuances do seu cantar, ora mais suave, ora mais visceral.
E, além das participações especiais e de Saulo na produção, parceria das canções e como instrumentista, o trabalho também conta com os músicos Thomas Harres, Klaus Sena, Mau, João Leão, Zé Nigro, Victória dos Santos, Sthe Araújo, Luisa Lembruger, Gabi Guedes e vocais de Camila Costa, além de uma parceria com o Poeta Arruda.
Faixa a faixa
O disco abre com Alfa, apelido que Alfamor deu para a poesia escrita pra ela, por Arruda. “Conheci esse grande poeta em São Paulo e nos tornamos amigos rapidamente. Uma honra pra mim a parceria com esse cara que é parceiro de deusas que admiro tanto como Alzira E e Alice Ruiz”, comenta Alfamor. A faixa é a poesia musicada e nasceu em um dia que a artista, revendo fotos de suas viagens, cantarolou os versos em melodia, que depois foi produzida por Saulo. “É como uma apresentação e também como um mantra de vida. Uma flecha ancestral que parece adentrar na mata e tirar a onça para fora. O trovão que anuncia esse renascer”, revela.
Em Babylon, Alfamor apresenta um reggae manifesto, repleto de mensagens políticas sutis que valorizam a liberdade feminina. Não poderia ser diferente, já que faz parte da trajetória da artista reafirmar a luta contra o patriarcado e as diferentes nuances, enriquecedoras ou difíceis, de ser mulher na sociedade. No som, referências-inspirações jamaicanas se misturam com a brasilidade latente do trabalho da compositora, marcada por tambores e vocais ritmados. A letra relembra que não é não e que, além disso, a decisão da mulher sobre como viver deve ser respeitada acima de tudo. “De alguma forma o grito “não é não” já algo até batido, mas definitivamente não é algo absorvido pela sociedade machista. Acho sempre válido, até que algum dia o machismo acabe, reforçar esse cuidado e respeito aos nossos corpos”, diz Alfamor.
A terceira faixa tem participação de MãeAna e Arthur Braganti. Sideral Sinistro veio num flash de memória de um sonho. “É uma viagem astral. Uma abertura de percepção à esse caminho de autoconhecimento pelos astros, o movimento de explorar a si e a natureza cósmica, em um movimento de amplidão e pequinês do ser”, resume a compositora.
Morada resgata as raízes de Alfamor, gaúcha, filha de pai argentino, e que, na parceria com a dupla, também argentina, Perotá Chingó, com a qual ela já cruzou em diferentes lugares pelo mundo, se viu diante de uma espécie de aconchego. No entanto, a música foi escrita em outro país de língua espanhola: “Morada me veio, como em Babylon, no ato. Mas, no caso, eu estava caminhando pelas ruas de Barcelona, então, a letra, naturalmente, saiu em espanhol”. Além disso, diante da familiaridade com a Argentina, a cúmbia sempre esteve presente na vida da artista. Para a faixa, “a melodia da música foi pensada para ser uma cúmbia solar e Saulo captou muito bem isso”.
Semente é um desabafo, que Alfamor escreveu no dia da eleição do presidente atual do Brasil e, através do ritmo do Reggae, trata-se de uma espécie de gatilho para a coragem de enfrentar tamanhas barbaridades de um governo opressor: “Foi um desespero total, mas ali vi que teríamos que acessar esse lugar de proteção e cuidado conosco e com os nossos para minimizarmos essa situação e realmente ficarmos atentos ao amor e não ao medo. E um grande exemplo disso pra mim é Marielle Franco! Acredito que através do exemplo da força dessa mulher isso reverberou e reverbera, que se queremos uma mudança temos que ser parte disso”.
Já Sábado Sangue fala sobre a natureza cíclica da mulher, materializada pela menstruação. “Sábado Sangue é sobre o nosso eterno processo de nos entendermos e sermos gentis com nós mesmas. A doidera que é todo mês passar por uma transformação, ter seus hormônios alterados, sentir de outra forma, lidar com a dor. Mas ao mesmo tempo todo conhecimento que trás essa morte/renascimento. Nosso sangue menstrual tem conexão com nossas ancestrais e com o instinto feminino, é um atestado da saúde do nosso corpo e uma ligação com um sagrado mistério”, resume a artista. Quanto às participações de Camila Costa e MãeAna, Alfamor comenta: “Foi muito legal chamar minhas manas Camila e Ana pra cantarem essa comigo!! Pois já tivemos uma banda só de mulheres juntas – Xanaxou – onde fiz minha primeira composição “Sagrado Sangre”, um punk sobre a mulher, seus ciclos e a menstruação (também). Aí um dia um vi uma anotação com o título “Sábado Sangue” perdida no meu hd, e peguei pra desenvolver. A letra e melodia saíram em um ciclo de uma lua”, revela.
E para fechar o disco, Paô, uma parceria com o mestre Mateus Aleluia, que se trata de uma canção oração. Um pedido de licença. “Iniciei meu trabalho musical com essa música que trata do meu espiritual porque acredito que daí tudo vem. É uma forma de agradecimento à tudo que me faz inspirar e me dá força. O Paó (pronúncia = paô) (bater palmas) no Candomblé é utilizado para pedir permissão para entrar, saudar e pedir licença. Este gesto milenar remete ao som da chuva caindo sobre o solo e batendo no barro, fazendo com que a natureza dê frutos, germine, fertilize e crie vida. É na comunicação com os Orixás, onde representa o respeito e a reverência às energias. Esse foi o ensinamento que Aleluia me passou e é também como ele me chama desde que, para minha sorte, viramos grandes amigos”.
Envoltos por esse sentimento de amizade, Seu Mateus foi um dos principais incentivadores para que Alfamor começasse a cantar. E, ao comentar isso com Saulo, ele a instigou a fazer uma música para levar esse sentimento de respeito e afeto para o álbum. “Primeiramente, achei muita pretensão e ri, mas ficando sozinha no quarto, minutos depois, de repente me veio letra e melodia na cabeça. Aí mostrei pra Saulo e ele foi lapidando e criando as harmonias. No dia da gravação Seu Mateus também contribuiu na produção da música que foi fluindo de forma muito natural na sinergia linda que rolou naquele dia”.
OUÇA O DISCO AQUI