Ave Sangria volta a ativa após 45 anos

A cultuada banda da psicodelia pernambucana está de volta. 45 anos depois de seu legendário LP de estreia, a AVE SANGRIA lança VENDAVAIS, novo álbum de inéditas, em todas as plataformas digitais. A edição em vinil sai no segundo semestre.

Referência para diversas gerações de artistas pernambucanos – com destaque nas trilhas sonoras de filmes brasileiros recentes como Aquarius (2016) e Rasga Coração (2018) – e cultuados por novíssimos fãs que descobriram a banda via internet, os integrantes originais MARCO POLO (voz, composições), ALMIR DE OLIVEIRA (voz, guitarra base, composições) e PAULO RAFAEL (guitarra solo e viola) se reuniram em 2014 para traçar novos planos de voo. De volta aos palcos, o trio revirou o baú do tempo e de lá saíram diversas canções inéditas, compostas no período de 1969-1974.

As onze músicas do álbum mantém a proposta inicial da banda: unir o rock com ritmos nordestinos, mesclando a linguagem psicodélica com sonoridade contemporânea: “O repertório do novo álbum persegue as características recorrentes do grupo; do divertimento escrachado à morbidez de temas sombrios, da crítica social implacável ao mais delirante psicodelismo, da agressividade do rock pesado ao lirismo acústico das baladas” – diz o cantor Marco Polo. O álbum foi gravado ao longo de 2018, com produção de Juliano Holanda e Paulo Rafael.

“Dia a Dia” (https://www.youtube.com/watch?v=RxNSEBVT1l4) é um rock visceral que evoca os melhores momentos da Ave Sangria. Gravada ao vivo no vinil Perfumes y Baratchos (1975), a atual versão ganha em decibéis sem abrir mão do lirismo e irreverência que marcam o estilo da banda: “Quanta coisa foi preciso saber / Quanta coisa foi preciso aprender (…) / Dia a dia mais perto do amor” – proclama a letra de Marco Polo, sob o potente riff de guitarra concebido por Almir e Ivinho (integrante original falecido em 2015) e recriado por Paulo Rafael.

“A inocência corrompeu-se / por um prato de feijão com arroz” – dispara Marco Polo em “O Poeta”. A letra poderia ter sido escrita hoje: “O poeta suicidou-se de repente / Deu um teco na ideia e já estava demente quando anunciou: Não te iludas mais, criança / Antes que tenhas tempo pra correr / Já estarás na pança de um aparelho de TV”. Ou de uma rede social.

Em contraponto a qualquer sentimento de desesperança, “Ser”, outra de Marco Polo, é uma bela balada rock radiofônica, cujo discurso evoca à sua maneira o Tente outra vez de Raul num luau com Dolores Duran e Tom Jobim: “Nascer depois de cada batalha perdida / E saber que a vida ainda / Tem muito pra dar e receber (…) / O que importa é o caminho / E não o porto e ponto final / Segue meu amigo e companheiro / Pega tua estrada real / Segue tua estrada do sol.

“Silêncio Segredo”, de Marco Polo e Almir Oliveira, cantada por este, trafega entre a ação libertária e a resignação em tempos bicudos: “No meio da sala está o olho / Flutuando e mágico / Silêncio segredo mistério / (…) um passo, dois, três vá lá atrás / Mas é melhor aguentar a barra”.

A canção nordestina apimenta “Olho da Noite”, sob os contornos melódicos da viola de Paulo Rafael. Letra e música de Marco Polo são incorporadas por Almir, ao estilo de um trovador do sertão psicodélico: “O verdadeiro olho da noite / É um buraco branco no meio do céu / O verdadeiro olho da noite / É um buraco cego no centro do céu”.

E “o sol desponta em lanças-chamas reluzentes” pelas “Carícias”, de Marco Polo. O aspecto mais erótico da banda – que, reza a lenda, obrigava pais conservadores a trancarem em casa as moças que suspiravam diante daqueles cabeludos de verve afiada e batom nos lábios – permanece provocante: “Quero ser teu namorado / A minha língua em tuas veias / Quero ver teu corpo armado / Meus lábios são luas cheias / Na noite mais verdadeira / Quero quebrar teus suspiros / Com carícias e maneiras / Que só conhecem os vampiros”. Quem há de resistir?

“Sete Minutos”, com letra e música de Almir cantada por Marco, soa como um rock agrestino da geração Nordeste 70. Com citação em latim diretamente da vulgata bíblica, os sedutores versos gastam o verbo na basílica do underground: “Per omnia saecula saeculorum / Encoste-se em mim e só”.  “Sundae”, de Marco Polo e Almir, na voz de Marco, antecipa o sunday bloody sunday de Bono e a manguetown de Chico, condensadas em um sorvete lisérgico: “Sangue e Sundae, ou um dia qualquer / Lábios de mulher / Sol no sangue, derretendo o Sundae / Espalhando o mel sobre o mangue”.

“Vendavais”, de Marco Polo, surge como um furacão sonoro formado entre o litoral e na zona da mata de Pernambuco, “rodopiando a cabeleira verde dos canaviais / Girassóis girando o sol despenca feito fruta morena / A carne morena entre os lençóis”. Dialoga com o rap e o repente em versos falados e contundentes: “Quebre tudo ao redor / toda forma e forma dos que dizem: Isso é melhor / Melhor é escolher / O que você quer ser / Mesmo que não seja / O aprovado pelo status quo / Lá no meio da sujeira / No lado do lodo escuro”. Com direito a portentosos solos e coros rocker à la Ron Wood e Keith Richards.

Completam o álbum o tema instrumental “Em Órbita”, de Paulo Rafael, e a única canção já conhecida do público, a emblemática “O Marginal”, de Marco Polo, que ressurge acústica, resplandecente de lirismo: “Por que nós somos tão inversos / Porque nós somos tão inversos / Eu sou o verso e tu és o reverso / (…) Eu sou tão carnal / Pois é, não tenhas medo / Eu sou um marginal”. Nada mais urgente, devastador e subversivo. Como os próprios vendavais.

Em sua atual formação, a Ave Sangria tem Marco Polo no vocal; Almir de Oliveira na guitarra base, violão e vocal; Paulo Rafael na guitarra solo e viola; Juliano Holanda no baixo e vocais; Gilu Amaral nas percussões e Júnior do Jarro na bateria e vocais.

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