Bowie mostra uma nova face do Camaleão do rock em “Blackstar”
Atualizado em 11 de janeiro, devido a morte do cantor – Leia a nota do autor ao final da resenha
Lançado no dia do seu aniversário de 69 anos, o álbum “Blackstar” do inglês David Bowie mostra o porquê do apelido “Camaleão” não se limitar apenas ao seu visual. Vigésimo quinto disco de estúdio, o trabalho coproduzido por Tony Visconti traz apenas sete faixas e uma arte gráfica que contrasta com tudo feito em sua carreira: uma estrela negra, que dá nome ao CD.* Com presente influência do jazz, o lançamento mostra um cantor menos agressivo nos vocais e com marcas do tempo, mas que nem por isso deixa de ser ousado, polêmico em suas letras e com identidade. É diferente de qualquer coisa feita atualmente, num mercado cada vez mais igual.
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Sempre apontado como um dos mais influentes e importantes nome do rock e pop do século XX, David Bowie traz para seus fãs um disco totalmente exótico e com a sua cara. Quem espera as guitarras e riffs como em “Rebel, Rebel”, lançado em 1974 no clássico “Diamond Dogs“, não encontra. Muito menos com a forte letra que o consagrou em “Heroes”, de 1977.
O Camaleão aparece agora dando pistas de que está um pouco velho, como sua voz denuncia nas canções, mas conseguindo atingir novos meios para continuar sendo diferente em meio ao igual. Suas capas sempre performáticas e coloridas agora dão lugar ao preto e branco de uma estrela, que dá nome a ele. Como até os ingleses lembraram, apenas sete faixas marcam como ele quer ser diferente de tudo praticado.
O álbum abre com “Blackstar”, música que dá nome ao trabalho e é o single. De tom sombrio – que mais lembra um filme de terror em alguns instantes – e uma voz que já é marca do seus lançamentos recentes, Bowie flerta com elementos de diversos estilos. Ouvimos do psicodélico até ao melhor “anos 80”, com as mixagens carregadas por ecos. É diferente, é nada comercial e é Camaleão!
Na sequência vem “‘Tis a Pity She Was a Whore”, que é o nome de uma obra escrita em 1629 e que carrega na letra por vezes obscena. Com bateria alta e muitos metais do jazz, a faixa realmente tem um requinte de drama, como a tragédia encenada no século XVII.
“Lazarus” traz o britânico para o lugar onde ele costuma “jogar em casa” e fez história, a balada. Narrando o drama de um homem à beira da morte, os arranjos soam com uma identidade que fez sucesso na carreira do Camaleão e desponta como uma das mais bem aceita entre os fãs.* “Sue (Or in a Season of Crime)” vem depois para contrastar. Agitada e com um ensaio de riff, novamente o estilo meio psicodélico na forma de cantar e dos sintetizadores traz o pouco usual para quem ouve. Na letra, um amante abandonado narra sua façanha diária, a pobre Sue, que a essa altura já está longe e com outro.
“Girl Loves Me” mantém a mistura e as baterias sobressaindo ao fundo, como marcasse o ritmo também da intensidade de quem ouve. Apesar de ser a menos interessante, chama atenção pela boa produção. “Dollar Days” resume a mistura de rock e jazz, com direito a um belo solo de saxofone. A faixa parece ter saído de algum bar de New Orleans e quase nos faz esquecer que estamos ouvindo um dos ícones da rebeldia do século passado.
Encerrando o disco, “I Can’t Give Everything Away” novamente tem saxofone e marcações características do tradicional David Bowie – se é que podemos usar esse termo em se tratando do mesmo – com interpretação vocal em cada verso, além de uma guitarra cortando com solo final. O álbum se encerra mostrando que, mesmo com a idade avançada, o britânico pode sim se camuflar entre os estilos e conseguir vencer o predador mais voraz no mercado fonográfico atual: A mesmice!
Classificação: Bom
* Nota do autor
David Bowie morreu dois dias depois do lançamento do álbum, no dia 10 de janeiro. Em referência ao seu falecimento, há necessidade de que a opinião sobre o disco seja revista. O cantor, em seu último trabalho, já percebia seu estado de saúde bastante debilitado e nos deixou diversas mensagens escondidas na obra. Seu último trabalho se tornou uma espécie de Réquiem. Ninguém percebeu. Nós não percebemos.
Como toda genialidade e vanguardismo, só depois de todo o movimento acontecer que as pessoas se curvam aos feitos. Sua voz cansada e o trabalho curtíssimo, com apenas sete canções, demonstra como o britânico já estava com sérios problemas para manter o ritmo de gravações.
A primeira das mensagens está na capa, sem nenhuma cor e apenas uma estrela negra. A estrela é Bowie, mas agora ela surge assim, sem o colorido que deu a tonalidade da sua carreira. Provavelmente representando a sua tristeza e luta contra o câncer, doença tão devastadora que leva tantos ídolos como ele. O estilo psicodélico, quase sombrio, também é um dado sobre a aura que pairava sobre o artista e seu futuro incerto devido à sua saúde.
Outra referência, essa mais tocante e sensível, é na na música “Lazarus”. Lázaro é um personagem bíblico que morreu, mas ressuscitou após um milagre de Jesus, vivendo entre os humanos como antes. No clipe, Bowie está deitado numa cama de hospital e os versos iniciais dizem: “Olha aqui, eu estou no céu / Eu tenho cicatrizes que não podem ser vistos / Eu tenho drama, não pode ser /Todo mundo me conhece agora”. Descrevendo uma dor por tentar lutar contra uma doença, o single termina de forma emocionante e que, só agora, nós entendemos a sua mensagem:
“Oh eu estarei livre
Apenas como aquele pássaro azul
Oh eu estarei livre
Não é que, assim como eu?”
Ao fim, David parece escrever uma carta, que não consegue ser concluída, e então o cantor vai para dentro de uma armário e some. E assim o Camaleão do Rock nos deixava seu testamento. Como Lázaro, que ressuscitou, Bowie renasceu em seu último disco e vive eternamente entre nós com sua obra e influência musical.
OUÇA “BLACKSTAR”