CD com os Sambas de Enredo para o Carnaval 2019 mantém o nível de anos anteriores, mas peca na arte gráfica
Durante a década de 2000 havia uma grande reclamação popular e dos sambistas – com razão – sobre a qualidade dos sambas de enredo. Questionava-se para onde o gênero estava indo e a pasteurização das obras, cada vez mais semelhantes. O CD da Escolas de Samba chegava às lojas já questionado e com má fama. Muito se tentou e fez, comentamos sobre isso há três anos. Como o descontentamento popular é uma constante brasileira tal qual o Carnaval, as safras melhoraram mas agora é a capa quem deixa a desejar.
Produção
Pela 47ª vez o disco oficial de Sambas de Enredo teve direção do Zacarias Siqueira de Oliveira, sendo o nono gravado ao vivo na Cidade do Samba. Zaca, como é popularmente chamado no meio do Carnaval, ano após anos foi tentando formatos e fórmulas para desenvolver a produção. Hoje se chegou a um modelo considerado ideal por quase todos os sambistas. Além dele, os produtores Laíla e Mário Jorge Bruno; e os arranjadores Alceu Maia, Jorge Cardoso e Rafael Prates, completaram o time que brinda o público com um CD cada vez mais encorpado e de boa produção.
Ao contrário de outros gêneros ou discos, os da Escolas de Samba são, além do registro fonográfico em si, uma ferramenta importantíssima para divulgação e aprendizagem das obras que irão para a Marquês de Sapucaí. Por este motivo ele deve ser audível, bem feito e com um andamento musical totalmente diferente do empregado pelas agremiações no Sambódromo. Não é para reproduzir o desfile. E este de 2019 tem tudo isso. Baterias não tão aceleradas, volume vocal dos intérpretes perfeito e um coro que engrandece o trabalho no todo.
Entretanto, se na parte sonora recebe elogios, na parte gráfica deixa a desejar. E muito. A capa do disco é de um mau gosto assustador. A começar pelo ângulo. A foto é ótima do ponto de vista fotográfico, artístico, mas para uma produção que visa estar à venda e chamar a atenção do público, o faz de forma contrária. É o único “porém”.
Qualidade dos sambas
Com a crise que abateu o Rio de Janeiro nos últimos anos há uma tendência das Escolas de Samba em serem mais independentes nas suas temáticas. Deste modo, há uma liberdade em explorar temas com maior conteúdo. E isso se reflete nos sambas, mais inspirados. Principalmente em enredos mais críticos, casos de Mangueira, Tijuca e Tuiuti; ou afros, tema recorrente das agremiações, como Salgueiro.
O resultado é uma boa safra, com pelo menos cinco sambas se destacando: Mangueira, Salgueiro, Mocidade, Portela e Unidos da Tijuca. É marca desta década, ano após ano, o disco trazer quase metade das obras de excelente nível. Bem diferente dos anos 2000, quando no máximo três ganhavam destaque e os demais buscavam o famigerado “samba funcional”. Funcional e descartável.
Este ano teremos uma reedição, na São Clemente, além de um fato inédito criado pelo Império Serrano. A Escola transformou a música “O que é, o que é”, do Gonzaguinha, em sua obra oficial. Em 2015 a Viradouro usou várias canções do Luiz Carlos da Vila e criou um samba. Porém bem diferente de agora, onde é de fato uma obra famosa e já consagrada da MPB.
Escola por escola
Mas se não se julga um livro pela capa, muito menos um CD. A primeira faixa, como tradicionalmente acontece, fica a cargo da atual campeã. No caso, a Beija-Flor de Nilópolis. O samba é inferior ao últimos dois que levou para a Avenida, mas Neguinho da Beija-Flor, mais uma vez, fez uma obra crescer na gravação. A ótima cadência da bateria também fazem uma abertura boa para cantar os 70 anos da azul e branca.
Sensação do último Carnaval, a Paraíso do Tuiuti repetiu a fórmula de encomendar samba ao invés de fazer disputa. Diferente de 2018, agora traz uma obra mais debochada porém mantendo a carga crítica focada na política. Têm ótimas letras e melodias, com um refrão forte e sarcástico. Deve repetir a interação com o público, ainda mais com o excelente Celsinho Mody e a talentosa Grazzi Brasil nos vocais.
Escola que inseriu a figura do negro como protagonista nos enredos, sempre que o Salgueiro volta a explorar o tema rende bons sambas. Mais uma vez isso acontece no enredo sobre seu padroeiro Xangô. Ao lado da Mangueira, tem o melhor do ano e talvez a melhor gravação do disco. O casamento da vermelho e branco com o intérprete Émerson Dias começou de forma promissora. A agremiação sempre foi identificada com puxadores carismáticos, como Rico Medeiros e Quinho, coisa que o Émerson também é. A obra em si é perfeita, excelente melodia com dois refrões explosivos. Junta-se a isso uma letra impecável e fortíssima. Desponta como favorito e candidato a Estandarte de Ouro.
Mais uma que busca nas suas origens um bom Carnaval, a Portela fez um samba à altura da homenageada Clara Nunes. Nesta década, a Escola tem sido a que teve a melhor “média” de sambas, com quase todos dignos de todas as notas 10. Este é mais um. Melodia que começa em tom menor e vai subindo até explodir em um refrão com tonalidade maior, muito forte em sua letra. Conhecendo a fama portelense de desfilar, se desenha uma comunhão grande.
Há sambas que nascem antológicos. É o caso da Mangueira em 2019. Sensação do período de disputas de samba, a obra se tornou famosa antes mesmo de ser escolhida. O que se tornou uma enorme pressão para a escola e acabou aclamado pela comunidade. O hino em si beira a perfeição. Como vem se tornando habitual neste últimos anos, foge ao padrão estético e traz melodia excepcional e letra que tem seus grandes pontos fortes. A citação sobre a vereadora assassinada Mariele Franco se tornou símbolo do enredo, que é contar a História do Brasil escondida ou tentam esconder.
Há trechos muito inspirados, como os versos “Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento. Tem sangue retido, pisado, atrás do herói emoldurado”. Ainda conta com o talento do Marquinhos Art’samba, uma das maiores revelações em carro de som. O que falar mais?
Acostumada a obras que mexam com seu ego e História, a Mocidade levará outro bom samba para o desfile. Com a letra bastante emotiva e identificada com o componente, traz uma melodia mais lírica que dos últimos Carnavais. Atual detentora do Estandarte de Ouro do quesito, tem no lendário Wander Pires outra grande marca desse apelo popular. E ainda fazem homenagem a Elza Soares, que já foi intérprete em Padre Miguel nos anos 70.
Trazendo de volta a marcante voz de seus grandes momentos nos anos 2000, o Wantuir, a Unidos da Tijuca no primeiro ano com o genial Laíla mostra a força desse casamento. Com um dos melhores sambas do ano, a Escola do Borel apresenta uma obra que foge de quase tudo feito por ela na década, com exceção de 2016. Samba ao estilo clássico, praticamente todo em tom menor, com letra que prioriza a força dos versos ao invés da explosão em si. Uma das melhores faixas do disco.
A Imperatriz sempre teve como marca a sua suntuosidade e força dos desfiles muitas vezes acusados de serem focados nos jurados. Mas para 2019, repetindo experiências de 1988, 2003 e 2007, traz um estilo que tenta dialogar com o público. E o samba é o principal elo, com seu refrão bastante irreverente. Tem uma letra de fácil assimilação e descrição do tema. Apostando na crítica sobre a soberba financeira, a divertida obra pode funcionar e tornar o desfile da Rainha de Ramos um dos mais populares. A conferir.
A Vila Isabel é mais uma que resgata sua voz marcante, Tinga. Com um enredo CEP, como são chamados os temas voltados à contar a história de um local específico, a Escola buscou uma obra mais funcional e que sirva bem ao que pede a sua narrativa sobre Petrópolis. Tem um refrão popular e conta com a bateria sob a batuta do Mestre Macaco Branco, cria da casa. O mesmo caso acontece com a União da Ilha, que reuniu Raquel de Queiroz e José de Alencar para falar do Ceará. Um artifício criativo e que pode render um bom resultado no dia, ainda mais com Ito Melodia incendiando tudo com sua poderosa voz.
Uma das mais famosas Escolas pela sua pegada crítica, a São Clemente aposta na reedição da sua obra de 1990, onde com muita criatividade e humor faz duras reflexões sobre os rumos do Carnaval. É um dos hinos mais cantados e com um desfile histórico. E após duas viradas de mesa na LIESA, a temática não poderia ser mais atual. Na letra há um festival de criatividade, como a comparação entre a espetacularização da Sapucaí e Hollywood. Ou então o troca-troca entre os profissionais do meio. Além do Leozinho Nunes, agora Bruno Ribas também é a voz oficial da agremiação.
Após o não rebaixamento em 2018, a Grande Rio reformulou quase tudo e para o próximo ano preferiu apostar em enredo mais abstrato. Devolvendo as pedras atiradas após as acusações do último Carnaval, o samba faz duras críticas aos maus hábitos das pessoas. Mesmo com um timaço de peso, já que foi encomendado, o samba preferiu ser funcional. Tem na letra a sua grande virtude. No disco, o ótimo Evandro Malandro estreia com pé direito em sua interpretação.
Mais famosa ala de compositores do Brasil, o Império Serrano decidiu transformar a música “O que é, o que é”, do Gonzaguinha, em sua obra oficial. É algo inédito e imprevisível. Muitos sambistas torceram o nariz, porém no CD os puxadores Anderson Paz e Leléu deram conta do recado e mostraram que o samba pode ter um efeito popular.
Campeã da Série A e de volta ao Grupo Especial, a Viradouro aposta nos enredos do Paulo Barros para se comunicar com público e jurados. Para isso escolheu um samba que faça justamente esse papel que é comum em seus temas, que é servir como um roteiro musical. No refrão utilizaram um recurso muito comum entre agremiações que retornaram à elite, que é pegar pela emoção deste momento e jogá-lo para o componente cantar. O excelente Zé Paulo é outro trunfo, junto com a bateria do Mestre Ciça, como se viu no disco.
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