“Cheias de Charme”: Um balanço final da novela da Rede Globo
Cheias de Charme se encerrou no último sábado (dia 29) como uma das tramas mais populares da Globo nos últimos tempos – em contraponto à modesta média geral de 30 pontos registrada pelo Ibope. Delegando a segundo plano o melodrama mirabolante dos folhetins tradicionais, consagrou-se na abordagem lúdica e escrachada do mundo da música, com personagens cativantes e um elenco afinado. A Globo conseguiu, em sua primeira incursão pelo gênero musical, dar ares de ineditismo a esse filão já tão desgastado e repetitivo das telenovelas.
Acostumada a papéis sérios e dramáticos, Cláudia Abreu deu um show na pele da impagável cantora Chayene – uma sátira a celebridades como Madonna, Rihanna e Joelma da banda Calypso. A caricatura e os exageros da “rainha do eletroforró” poderiam ter desagradado parte da audiência, mas Cláudia a interpretou tão sob medida que acabou fazendo dela a grande atração da trama. Expressões como “curica”, “amadinhos de Chay”, “um poço de luxúria” e “quer de meu cheiro?” certamente levarão tempo para ser esquecidas pelo público brasileiro.
As carismáticas e expressivas Leandra Leal e Taís Araújo deram o tom exato da sonhadora Rosário e da batalhadora Penha, que formavam com Cida (Isabelle Drummond) o trio protagonista e a banda As Empreguetes. Já Ricardo Tozzi superou com habilidade o desafio de interpretar dois personagens ao mesmo tempo. É inegável, porém, que sua performance como o cantor sertanejo Fabian marcou muito mais do que o sósia dele, o misterioso Inácio, cuja antipatia e machismo resultaram numa subversão negativa do protótipo de galã clássico. Destaque para o segredo envolvendo Inácio e Fabian, revelado ao final da trama – muito mais criativo do que a suposição ultrapassada de que fossem irmãos gêmeos.
Marcos Palmeira, que há tempos não mostrava sua faceta cômica na telinha, interpretou com ímpar carisma o atrapalhado Sandro, um papel que aparentemente nem teria tanta importância, mas acabou crescendo e ficando entre os favoritos do público. Titina Medeiros foi a revelação do programa, divertidíssima nas estripulias de Maria do Socorro, enquanto a ótima e natural Malu Galli (Lygia) teve provavelmente seu melhor trabalho na TV até agora. Alexandra Richter (Sônia), Jônatas Faro (Conrado), Miguel Roncato (Samuel), Giselle Batista (Isadora) e Fábio Neppo (Kleiton) completam a lista dos melhores do elenco.
Por outro lado, lamenta-se o subaproveitamento de atores como Leopoldo Pacheco (Otto), Jayme Matarazzo (Rhodinei) e Tainá Müller (Liara), cujo destaque na trama ficou bem aquém de sua capacidade – principalmente Leopoldo, esse grande ator a quem a Globo deve um espaço digno desde Belíssima (2005). Já Isabelle Drummond ficou devendo algo mais na pele da romântica Cida. Não que ela tenha atuado mal, mas podia-se esperar mais brilho da atriz que viveu a inesquecível Bianca em Caras e Bocas (2009). O mesmo vale para Tato Gabus Mendes, que não foi além do básico como o advogado Ernani Sarmento.
A autoria acumula alguns méritos, mas tem suas controvérsias. Os novatos Izabel de Oliveira e Filipe Miguez acertaram ao trazer a música sertaneja e o eletroforró (tecnobrega) para o contexto central, o que não só fugiu à “regra de ouro” das séries e novelas musicais – cuja trilha dá prioridade ao pop – como valorizou a identidade nacional. É interessante observar ainda que o roteiro tenha casado tão bem premissas aparentemente dissonantes, como o debate sobre ética profissional, a sátira do universo midiático e o conto-de-fadas moderno das Empreguetes.
O recurso do transmedia – usado, por exemplo, com o lançamento do clipe das Empreguetes na Internet antes de sua veiculação na TV – veio com gosto de novidade, quando na verdade já fora utilizado em muitas novelas no mercado internacional. O pioneirismo de Cheias de Charme, portanto, esteve em retratar na trama principal a conquista meteórica da fama a partir de um vídeo amador publicado na Internet, corriqueiro fato social da vida moderna. O mesmo gancho já fora usado em Malhação Conectados (2011), mas com impacto menor e na trama secundária da doméstica Aparecida (Edvana Carvalho).
O grande equívoco da atração se encontrou no empobrecimento do lado dramático em virtude da sobrecarga satírica e humorística. Os poucos momentos de tensão, como a grave doença de Lygia e o acidente de Samuel, vieram tão “soltos” entre si que nem chegam perto de suprir a demanda. A reviravolta na história de Cida, que descobria ser filha de Sarmento, seu patrão, ainda significou algo nesse sentido. Completamente clichê, mas ao menos eficaz, já que inúmeros ganchos e conflitos dramáticos pipocaram no núcleo a partir daí. Mas o romance de Rosário e Inácio foi muito prejudicado, por exemplo, pela falta de antagonistas que se interpusessem de verdade entre eles, coisa que Dinha (Juliana Alves) nunca fez. A narrativa deles só cresceu mesmo após a troca de identidade entre Fabian e Inácio, já na reta final. Com Penha a coisa foi ainda mais grave. Ela passou a novela inteira com a vida amorosa em banho-maria e só saiu disso ao se apaixonar por Gilson (Marcos Pasquim), ficando dividida entre o amor por ele e a amizade por Lygia.
Cheias de Charme teve seus tropeços, porém cativou diversas faixas etárias e classes sociais com uma trama que soube ser fantasiosa e divertida sem perder de vista as referências ao cotidiano dos telespectadores. Mesmo com números medianos de audiência, definitivamente um fenômeno de popularidade.
Por Felipe Brandão.