Crítica de “Crô – o filme”
É realmente louvável a ideia de se aproveitar a popularidade de um personagem coadjuvante de uma telenovela do horário nobre (Fina Estampa), que literalmente “roubou a cena” com seu personagem e caiu assustadoramente no gosto popular. Marcelo Serrado realmente estava impagável com sua composição do mordomo Crô, o único personagem em toda a trama que conseguia ter “estômago” para lidar com a diabólica vilã Teresa Cristina, vivida por Christiane Torloni.
Gay afetadíssimo, sempre usando figurinos mais do que extravagantes, manifestando arroubos consecutivos de bipolaridade e com uma relação de amor e ódio com o motorista da megera (“macho a moda antiga”), Baltazar Fonseca, por Alexandre Nero. Crô já havia se eternizado como um daqueles personagens “clássicos” do humor televisivo e que desde o último capítulo da novela já deixava saudades…
Eis que com um elenco estelar, roteiro de Agnaldo Silva e direção de Bruno Barreto, podemos finalmente ver nas telas de cinema o que o mordomo irá fazer com toda a fortuna que foi lhe deixada de herança pela ex-patroa. O argumento do filme parte então dessa premissa: o que Crô vai fazer com tanto dinheiro e como levará a vida de milionário?
Pois é, tanto dinheiro só serviu para lhe deixar entediado, com várias tentativas frustradas em se tornar famoso com algum trabalho. Até que depois de um sonho com sua finada mãe (Ivete Sangalo, ótima!), resolve que seu destino é venerar e ser leal a uma musa (de preferência que o maltrate bastante) e resolve, mesmo milionário, voltar a ser mordomo. Para isso inicia uma série de entrevistas divertidíssimas com candidatas dos estilos mais diversos.
Crodoaldo Valério (seu nome de batismo) acaba se encantando mais por Vanusa Ribeiro (Carolina Ferraz, linda e perfeita no papel de vilã), que se apresenta como sócia de uma confecção, na qual – nosso herói descobrirá – ela explora mão de obra escrava de imigrantes bolivianos. Repleto de indignação, o mordomo decide desbancar a máfia na qual sua “musa” é uma dos chefes e nesta confusão armada, acaba criando um grande afeto com uma das “escravas”, Larissa, uma menina de oito anos.
Como puderam perceber, o argumento tinha tudo para funcionar muito bem. Apesar dos ótimos desempenhos individuais de todo o elenco, uma série de fatores fazem com que a coisa “não decole”. Situações inverossímeis ao extremo acontecem e a forçação de barra para provocar risos constantemente, só fazem com que o roteiro, apesar da ótima história apresentada, exiba sua fragilidade.
Uma pena, pois a relação construída entre os personagens por si só, já seria motivo suficiente para provocar graça. A apelação criou uma espécie de fator contrário, percebemos algumas situações que já seriam muito divertidas por si só, serem claramente prejudicadas ao se buscar o exagero como solução para o riso fácil. O final é um típico exemplo disso.
Mas mesmo com todos esses fatores, o personagem mostra ter gás para continuar em cena para novas incursões e o filme acerta ao contar a história de forma atemporal, praticamente não tendo nenhuma relação com a novela, podendo ser assistido até por quem nunca ouvir falar de “Fina Estampa”. Fica a dica para que todos os arroubos possíveis de exagero, já pertencem ao personagem por si só, não sendo necessárias ainda mais alternativas de “gags” partindo do roteiro e da direção.
Mesmo com os equívocos, o craque Bruno Barreto (de “Dona Flor e seus dois maridos” e “O que é isso companheiro”) na direção, o experiente novelista Agnaldo Silva na criação, elenco afiadíssimo e carisma “para dar e vender” do personagem, fazem com que o “barco não naufrague” por completo.
Por Alessandro Iglesias