Crítica do filme “Angie”
Ator de poucos recursos e apresentador mediano de programas de auditório, Marcio Garcia sempre foi mais lembrado por sua bela estampa dos tempos de modelo (que mantém até os dias de hoje com 43 anos). Por isso foi uma grande surpresa para todos o anuncio que iria se aventurar no terreno da direção e ainda por cima em paragens estrangeiras. O encaro do desafio é visto até de uma forma natural, já que por aqui imaginamos que não teria credibilidade para conseguir maiores apoios… Seu curta de estreia, “Predileção” (2010), foi vaiado no Festival de Gramado e o vislumbre a carreira internacional pode ter vindo deste isolado ato, já que o filme até que teve boas críticas.
Por todo esse esforço louvável, o recém-lançado “Angie” (“Open Road” no original) já valeria algum crédito positivo. Mas independente da façanha de conseguir rodar em Hollywood, Márcio demonstra muitas qualidades como diretor, o projeto mostra mais pontos positivos do que negativos e o filme convence de forma adorável. Para começar foi rodado em apenas vinte dias, um tempo recorde, mesmo em se tratando de uma produção alternativa. O nível de profissionalismo se estende de uma forma quase que totalitária na América, como frisa o diretor: “ Ela (a indústria) é muito rica em equipamentos, que estão disponíveis até em filmes de baixo orçamento, como o nosso”.
Realmente a fotografia é um dos grandes pontos a se destacar no longa e essa questão tecnológica, com disponibilidade de excelência , também foi reforçada pelo diretor de fotografia Jonathan C. Hall: “Poucos filmes independentes puderam contar com um equipamento tão de ponta”! Palmas para o diretor executivo Uri Singer, pois realmente a precisão nos saltou aos olhos.
Como o título original acena, o filme é um “road-movie”, com a protagonista Angie (Camila Belle), não tendo residência fixa e através de um grande conflito interno, nos dá a entender que esta nos EUA em procura de algo extremamente significativo. Pode ser apenas mero autoconhecimento ou algo em prol de suas raízes, já que largou uma família rica no Brasil e não pediu consentimento a ninguém nessa empreitada. E essa busca é deveras fundamental para seus anseios dali em diante, uma espécie de divisor de águas para o fim de suas angústias.
Nesse meio tempo, isolamento, simplicidade e a pintura, serão parte integrante dessa viagem. Figuras no meio do caminho marcarão profundamente sua jornada, como o morador de rua Chuck (Andy Garcia) e o policial David (Collin Egglesfield). O roteiro consegue nos colocar dentro do duro anseio vivido pela personagem-título (com sua incessante necessidade em se isolar) e mantendo o suspense até a cena derradeira, que nos vai desvendar todo o grande segredo da história.
Apesar de em muitos momentos carecer de um pouco de ritmo, as interpretações conseguidas levam “Angie” a se consistir basicamente num filme de atores, onde cada um tirou o máximo que poderia de seus personagens e isso foi fundamental para o bom desenvolvimento da trama. O brilhantismo falou alto e Andy Garcia, juntamente com Juliette “and the Licks” Lewis, roubam a cena com papéis secundários em interpretações soberbas. Camila Belle também se destaca com a minimalista construção de sua personagem título, numa decisão estratégica bastante corajosa. Collin Egglesfield, conhecido por participação em várias produções destinadas ao publico jovem, também está bem no papel, com seus 40 anos de idade e carinha de ter menos de 30.
O que poderia ter se consistido num grande fracasso, acabou se tornando a mola mestre para o resultado obtido: o ritmo veloz das filmagens! O diretor do longa conta que a “urgência” serviu para aproximar a equipe técnica e o elenco, se consistindo num grande trunfo. “Ter um tempo tão escasso para filmar é difícil, mas funciona. É preciso ler muito e discutir as cenas com a equipe, os atores… Quando se faz bem o dever de casa, usa-se o tempo melhor e foi o que eu fiz”, afirma Marcio Garcia.
O grande ponto negativo esta na trilha sonora incidental, que coloca “peso” em momentos que precisaríamos de lirismo e abusa do conservadorismo, no pior sentido que essa palavra possa ter. Uma cena passada no Brasil, nos lembra o que ouvíamos em muitos dos filmes nacionais dos anos 70, aquele “samba pra gringo” de gosto duvidoso. Também não “desce” muito confortavelmente, o “merchan” explícito em algumas cenas, que sugerem que as mesmas foram desenvolvidas em prol da pura propaganda barata. Mas isso não tira o mérito de “Angie”, com Márcio Garcia dando um passo largo em prol da sua redenção e com extremo merecimento. Assista e se prepare antecipadamente para a emoção…
Por Alessandro Iglesias