Crítica do filme Os Miseráveis
Impactante! Não existe outra palavra para poder designar todo o processo que envolve a adaptação do musical “O Miseráveis” de Victor Hugo para as telas de cinema. Escolhas da produção e da direção de Tom Hooper (vencedor do Oscar de melhor filme por “O discurso do Rei”) para esse tipo de formato, foram feitas em caráter inédito e surpreendentes. Para começar, foi o primeiro grande musical a ser gravado com som direto, isto é, sem a dublagem posterior como sempre tinha ocorrido até os dias de hoje.
Esse processo resultou logicamente num som sem o seu ápice de qualidade, mas com emoção em tons desbragados para “dar e vender”. Pois cada ator pode em tempo real, despejar toda a carga dramática vocal que cada cena precisaria ter. A intensidade sentimental que isso suscitou foi impressionante. Além de todo o esmero técnico da equipe de sonorização para conseguir tal feito em locações e estúdios grandiosos.
Para aumentar esse grau de dramaticidade, a escolha por planos fechados foi muito positiva. Temos a sensação de proximidade absoluta, a exemplo de um espetáculo teatral e com grande realismo. A cena onde essa troca se mostrou ainda mais acertada, foi na interpretação formidável (digna de Oscar, não é a toa que desponta como favorita) de Anne Hathaway na canção “I Dreamed a Dream”, a única de “Os Miseráveis” conhecida do grande público. Afinal, quem não se lembra de Susan Boyle arrebatando a mesma no programa de calouros Britain’s Got Talent em 2009 e fazendo a música voltar aos ouvidos do grande público? Mas a de Anne como Fantine (em close constante e absoluto) é tocante, insuperável e já figura certamente entre os grandes momentos da história do cinema.
Samantha Barks, intérprete de Eponine, a única oriunda do elenco do musical da Broadway, desponta como grande revelação em sua singela atuação com seu momento solo. Aliás, a direção de atores é primorosa, mais um acerto na revolucionária escolha criteriosamente técnica da produção. Todo o elenco destoa em excelência, mas se Daniel Day Lewis já não fosse a “barbada” por “Lincoln”, Hugh Jackman com certeza seria deveras merecedor da estatueta. É disparada a sua mais brilhante atuação na telona! Para quem não sabe, apesar do reconhecimento como o Wolverine de X-MAN (que o fez construir essa sólida carreira no cinema que todos conhecemos), já possuía uma trajetória anterior construída nos palcos com total domínio de dança e canto, tendo participado de inúmeros musicais.
Sasha Baron Cohen e Helena Bonham Carter roubam a cena toda vez que surgem como o “bufônico” e salafrário casal Thénardier, se consistindo nos grandes momentos cômicos da trama. Quanto ao único “oscarizado” do estelar elenco (que inclui ainda Amanda Seyfried do também musical “Mama Mia” e o premiado jovem ator shakesperiano, Eddie Redmayne), o australiano Russell Crowe, podemos dizer que ele esta correto e nitidamente esforçado, mas fica alguns passos abaixo dos seus colegas de elenco no que diz respeito ao alcance vocal.
O único revés para o alcance as grandes plateias, fica pela sua excessiva duração e a quase obrigação de uma familiaridade ao gênero musical, já que o drama é totalmente cantado, praticamente não há diálogos, só estrofes. A história que se passa na França do seculo XIX, conta a tortuosa trajetória de Jean Valjean, preso por 19 anos ao roubar um pão e sua posterior ascensão com a ajuda de um bispo para sair dessa condição desfavorável. Ao mesmo tempo que resolve amparar a menina Cosete (filha de Fantine, uma operária em extremas dificuldades), precisa fugir do policial Javert, que o reconhece dos tempos da prisão e passa a persegui-lo. Alicerçado a essa epopeia pessoal, acaba participando indiretamente dos conflitos políticos que antecedem a Revolução Francesa, onde a obra se aproxima das questões sociais.
As emoções são tamanhas (apesar do irregular repertório musical e da sensação que poderia ter sido “enxugado” em alguns momentos), que nem temos tempo de assimilar todas individualmente, resultando numa “montanha russa” de grande frenesi. Mesmo com toda sobriedade e “peso” que costumam passar longe desse tipo de segmento, “Os Miseráveis” é um espetáculo grandioso, emocionante, imperdível e que já figura entre os grandes musicais da história do cinema.
Por Alessandro Iglesias