Ditadura militar em foco na 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul
O cinema como peça fundamental na construção e reconstrução da História de nosso país. Ao eleger o tema Memória e Verdade como referência simbólica, a 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul, que está sendo realizada em todo o país, de 3 de novembro a 20 de dezembro, chama atenção particularmente para os 50 anos do golpe militar, fato que inaugurou uma etapa da vida política nacional marcada por sistemáticas violações de Direitos Humanos. Com o intuito de reafirmar o repúdio aos abusos cometidos no período, e assim evitar a repetição, como também de rememorar a heroica resistência de quem lutou pela democracia, serão exibidos, em quatro sessões ao longo de toda a programação, cinco filmes que retratam os acontecimentos políticos da época.
Ao todo, a nona edição da Mostra exibe gratuitamente 41 filmes que abordam de forma diversa questões relacionadas aos Direitos Humanos. Ainda como menção aos 50 anos do golpe, homenageia a cineasta Lucia Murat, referendando a sua luta política e exibindo quatro longas-metragens da diretora que, em sua obra, aborda de forma corajosa e sensível a temática dos Direitos Humanos. Reunidos em quatro sessões, os cinco filmes que serão exibidos dentro da Mostra Memória e Verdade são: Ação Entre Amigos, de Beto Brant; O Dia em que Dorival Encarou a Guarda, de Jorge Furtado e José Pedro Goulart; Setenta, de Emilia Silveira; Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho e Cidadão Boilesen, de Chaim Litewski.
“Os filmes, realizados em contextos diversos, trabalham a memória, nunca estanque e inerte, do que significou aquele evento crucial, algo especialmente importante nos dias presentes quando, afinal, uma Comissão da Verdade constituída pelo Governo Federal está em atuação e quando grandes veículos de comunicação são confrontados com suas próprias posturas e opiniões em épocas anteriores. Com isso, o passado, mais do que nunca, vira motivo de conflito sobre seus sentidos. A própria designação daquilo que precipitou a ditadura que esteve no poder no Brasil durante duas décadas é, em si, uma arena de confrontos”, observa Rafael de Luna Freire, curador da Mostra Memória e Verdade. Para ele, as graves e severas restrições e abusos contra as liberdades individuais e coletivas são vergonhosos atentados à dignidade humana que não podem ser esquecidos, sendo o cinema brasileiro não só testemunha dessa história, mas um canal de revisão crítica na interpretação do golpe de 1964 e suas consequências.
Mostra Memória e Verdade:
Ação Entre Amigos (Beto Brant, Brasil, 1998, 76’, Ficção) – Miguel, Paulo, Osvaldo e Elói, companheiros de luta política, cárcere e tortura durante o regime militar, se encontram 25 anos depois para uma pescaria. Miguel então revela aos amigos que acredita que o homem que os torturou na prisão está vivo, e mostra uma foto. Reações adversas e memórias se mesclam a revelações sobre o passado e um novo plano para o presente. O Dia e
O Dia em que Dorival Encarou a Guarda (Jorge Furtado e José Pedro Goulart Brasil, 1986, 14’, Ficção) – Dorival chega em seu limite e resolve enfrentar tudo e todos para conseguir o que quer, trata-se de um homem na luta desigual contra um sistema sem lógica nem humanidade.
Setenta (Emilia Silveira, Brasil, 2013, 96’, Documentário) – 1970: Em plena ditadura militar, o embaixador suíço no Brasil é sequestrado. Depois de quarenta dias de negociações, o embaixador Giovanni Bucher é trocado por setenta presos políticos que são banidos para o Chile. Setenta reencontra esses personagens quarenta anos depois. Como vivem? Quem, são eles? Como superaram a tortura, a prisão, o exílio e como reconstruíram suas vidas.
Cabra Marcado para Morrer (Eduardo Coutinho, Brasil, 1984, 119’, Documentário) – Em 1964, o CPC da UNE inicia um filme sobre a vida de João Pedro Teixeira, líder da Liga Camponesa de Sapé (PB), assassinado por latifundiários, que inclui uma reconstituição ficcional do evento político que levou à sua morte. A viúva de João Pedro, Elizabeth, e outros camponeses participam das filmagens. Mas os trabalhos são interrompidos por conta do golpe militar. 17 anos depois, Coutinho retoma o projeto e vai atrás dos personagens, encontrando Elizabeth na clandestinidade e sem contato com muitos de seus filhos.
Cidadão Boilesen (Chaim Litewski, Brasil, 2009, 92’, Documentário) – Através de diversos depoimentos, o documentário revela as ligações de Henning Albert Boilesen (1916-1971), presidente do grupo Ultra, da Ultragaz, com a ditadura militar. Seu apoio financeiro, assim como de muitos outros empresários, ao movimento de repressão violenta e também a sua participação na criação da temível Oban – Operação Bandeirante, espécie de pedra fundamental do Doi-Codi.
9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul:
Dividida entre “Mostra Competitiva”, “Mostra Memória e Verdade”, “Mostra Homenagem Lúcia Murat” e “Sessão Inventar com a Diferença”, a 9ª Mostra Cinema e Direitos Humanos no Hemisfério Sul traz entre os títulos não só produções brasileiras, como obras afinadas com um recorte mais político do que se entende por Hemisfério Sul, para além da simples divisão feita pela Linha do Equador. A 9a Mostra é inclusiva, exibindo filmes com sistema closed caption e realizando sessões especiais com audiodescrição para garantir o acesso de pessoas com deficiência visual.
A realização é da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), em parceria com o Ministério da Cultura (MinC) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), além do patrocínio da Petrobras e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Por Alessandro Iglesias