Em entrevista exclusiva, André Sampaio, da banda Ponto de Equilíbrio, fala sobre seu projeto solo

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Após passar mais de dez anos tocando com a banda de reggae Ponto de Equilíbrio, o guitarrista e compositor André Sampaio está investindo em seu primeiro projeto solo, ao lado dos Afro Mandinga. Logo após sua primeira viagem ao Moçambique, André sentiu que aquele era o momento certo de unir a sua paixão pela guitarra e a grande influência que a música e a cultura africana exercem na sua forma de viver e enxergar o mundo. Confira a entrevista completa!

O que levou você a lançar o projeto André Sampaio & os Afro Mandinga depois de mais de doze anos de carreira tocando no Ponto de Equilíbrio?

Surgiu como uma necessidade natural. Durante todo esse tempo com o Ponto de Equilíbrio, sempre participei de projetos paralelos envolvendo essas musicalidades e pesquisas sonoras de matriz africana, e há uns 4 anos, quando voltei de minha primeira viagem ao Moçambique, eu senti: “agora é a hora de fazer algo meu, minhas influências, a expressão do que me move”. Daí nasceu o trabalho com Os Afro Mandinga.

“Desaguou” é um álbum que conta com a participação de grandes nomes da música nacional e internacional. Como chegou a essas parcerias e o que achou da experiência?

Fui lançar meu EP solo em uma pequena tour pela Europa em 2011, e no fim dela toquei com os Terrakota, grande banda de Portugal, que já foram várias vezes à África Ocidental. Nessa convivência eles me incentivaram muito a ir aonde sempre quis: o Mali e Burkina Faso, para aprender, tocar e gravar. Um outro grande amigo, Fernando Cabral, me colocou em contato com o Manjul Souletie, grande produtor e dono de um estúdio com bastante referencias no Mali, o Humble Ark. Manjul é rastafari e me recebeu como família. Fiquei na casa dele e tive a oportunidade de conhecer e gravar junto com Vieux Farka Toure (filho do grande Ali Farka Toure, maior guitarrista que já viveu na África), Fatim Kouyate, Assaba Drame e Samba Diabate. No Burkina Faso, vivi com uma família griô, gravando com Sekou Diarra (grande mestre da guitarra mandinga) e seu primo Soungalo Diarra. Além dessas pérolas africanas, ainda participaram os Cacique 97 (afrobeat portugal/moçambique), BNegão, Karla da Silva e grandes parceiros do côco pernambucano, como o Grupo Bongar e Nilton Junior.

É um disco que reflete toda essa troca cultural e musical, com as africanidades do Brasil, da África e do mundo se encontrando. Foi um processo de me redescobrir, juntar todas essas influências e sons familiares em algo com a minha expressão, minha cara.

A produção do álbum se deu através de financiamento coletivo, algo que tem se tornado bastante comum entre diversos músicos e bandas, tanto as mais novas quanto outras já consagradas. Como foi o retorno do público?

A gente estava com um disco quase pronto, faltando aquele fôlego pra masterizar, fazer a arte, autorizações, prensagem e fechamos uma parceria que ja vinha se desenhando há algum tempo com a Embolacha. Foi ótimo, além das pessoas terem se interessado ainda mais por todo esse universo que envolve nosso som e todo o barulho que isso gerou, conseguimos financiamento pra prensar CDs, LPs e investir no conceito visual do trabalho, que ficou a cargo dos talentosíssimos Firme Forte Records. Agora começamos a entregar as recompensas aos apoiadores e estamos vendo como é bom sentir a alegria das pessoas que estão percebendo o carinho com que tratamos o disco e que elas também fazem parte disso tudo.

O Ponto é uma banda de reggae, mas também é notável uma pegada afro. Como está sendo agora misturar a música africana com estilos, como jazz, blues e dub, por exemplo?

A música africana recente faz essa ponte entre tradição e modernidade de forma muito natural e, pra mim, eles são os melhores do mundo nisso. Por eu ser guitarrista, me apaixonei pela música mandinga (Mali, Burkina Faso, Guiné), pois é de lá que vem o blues e as cordas africanas ancestrais. Também me influenciaram muito as guitarras do Zimbabwe, Benim e especialmente da Nigéria, que é bem mais próxima da gente.

Eu sempre busquei trazer o que estava ouvindo e estudando no meu tocar, só que agora é mais livre do formato, do estilo. Claro que o reggae tem muitas dessas influências e no caminho bebi dessas fontes todas, mas agora sinto esses diferentes afluentes musicais se reunindo em um grande rio. A própria banda que me acompanha, Os Afro Mandinga, são todos grandes músicos, cada um com influências bem diferentes e acho que é por isso que estamos chegando à uma identidade própria bacana.

Como foi ter um contato tão de perto com a música mandinga durante a viagem pela África?

Foi como um grande sonho, acontecendo ali, na minha frente. Era tanta informação que foi um desafio manter o foco entre gravações, aulas com mestres griôs e saídas pra pra tocar e assití-los tocando em casamentos e outras festas. São muito musicais em tudo o que fazem, e há grandes artistas a cada esquina ou vila. É realmente impressionante. Como o mestre da kora, Toumani Diabaté, disse: “A música é como a água de um rio, você tem que beber até saciar sua sede. Não pode beber o rio todo, sempre haverá mais águas a absorver”. E eu ainda estou absorvendo.

O que achou de vivenciar a cultura dos países que visitou nesse período?

Acredito que não se aprende essa música na sala de aula, tem de vivenciar mesmo, mergulhar na cultura e na vida dessa gente. Aí você consegue realmente fazer parte daquele universo, dentro das limitações e capacidades de cada um. Os povos mandengue (mandinga) descendem do Antigo Impériodo Mali, que foi um dos mais importantes do mundo durante séculos. Sua riqueza, tanto em ouro quanto em conhecimento nas grandes bibliotecas e mesquitas de Timbuktu, são lendários. São reis e rainhas, nobres em suas maneiras e gestos. Mesmo hoje em dia, com toda a exploração e abandono que sofreram, são sem dúvida alguns dos povos mais hospitaleiros que já conheci.
Pra eu tocar e me influenciar por sua música, é como trazer de volta esses ambientes, essas pessoas, seus sotaques, alegrias e tristezas. Aí acontece a tal da magia.

Qual a sua visão em relação à expansão da música afro hoje em dia no Brasil?

Acho muito importante que o mercado da música mostre mais interesse nessas expressões. O afrobeat está em um momento muito expressivo em todo o mundo. Artistas e bandas conhecidas tem se debruçado sobre o ritmo criado por Fela. Isso pode ser uma porta de entrada pra toda uma musicalidade afro que já acontece por aqui há bastante tempo, mas que não tinha encontrado tanto espaço na mídia, com algumas exceções. Também pode ser visto como um novo movimento em busca de aproximar nossas africanidades brasileiras do mercado fonográfico, como já aconteceu desde a Orquestra Afro Brasileira, passando pelos Afro Sambas, Moacyr Santos e tantos outros. Desejo muito que essa cena fértil e em crescimento possa fortalecer nossas identidades africanas e brasileiras, aproximar esses dois lados do Oceano ainda mais e que possamos realmente usar a música como arma pra libertação, como já disse Fela Kuti.

Você acha que, no momento, é possível conciliar os dois trabalhos ou irá se dedicar somente ao novo projeto?

Estou lançando meu primeiro disco solo e ao mesmo tempo o primeiro DVD consagrando 13 anos de carreira com o Ponto de Equilíbrio. Não podia estar mais feliz e, por mais que tenha de me desdobrar, conciliar os dois trabalhos vai ser um desafio maravilhoso. Agora será um dia com Os Afro Mandinga, outro com o Ponto. (risos)

Como definiria essa nova fase da sua carreira?

Tem um verso da música “Desaguou” que ilustra bem: “Do outro lado tão longínquo, eu descobri quem sou.” Às vezes temos de ir pra longe pra descobrirmos aquilo que sempre esteve ao nosso lado e que faz parte da gente. Eu defino assim: me encontrei, compreendi muito do que sou e do que me move indo à África e às “pequenas Áfricas” que estão aqui do nosso lado. O que toco e como toco reflete esse momento de grande redescobrir.

Dia 11 de maio haverá o show de lançamento do primeiro álbum do seu projeto ao lado dos Afro Mandinga, no Rio. O que espera da apresentação?

A expectativa é grande! Desde o último show que fizemos durante a campanha pelo disco, a galera vem falando, incentivando e se mostrando cada vez mais interessada no trabalho. A noite vai ser uma consagração, junto das festas Makula e Soul de Santa, as que melhor representam esse cenário afro/black no Rio, com grandes amigos na plateia e dividindo o palco conosco (surpresa!).

O Teatro Rival é uma casa de tradição e tem aberto suas portas pra essa nova cena, valorizando o artista, o público e o espetáculo. Acho que todos saímos ganhando. Nós preparamos um show especial, com grande atenção e carinho ao cenário, projeções, figurino e coreografias das nossas bailarinas além, é claro, do melhor som no estilo Afro Mandinga, onde a única certeza é de que ninguém fica parado! Esperamos todos lá pra soltar a mandinga com a gente!

Por Jessica Coccoli

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