“FACELIFT”, 30 anos da estreia avassaladora do ALICE IN CHAINS
GRUNGE! Antes de começarmos nosso texto, vamos desmitificar esse termo… A alcunha que denominou o “movimento” de bandas oriundas da cidade de Seattle no final dos anos 80, com o agrupamento ao redor do selo SUB POP (a “fada madrinha” dessa geração), não pode servir como sinônimo de SONORIDADE. Os grupos eram completamente distintos entre si em suas propostas musicais, mas esta nomenclatura acabou se tornando determinante no imaginário coletivo. Então vamos lá, como CENA, ok, vale tranquilamente! Gênero musical, JAMAIS, só a localidade de origem e quiçá, apenas a identidade visual (tocas cobrindo os cabelos desgrenhados, camisas quadriculadas de flanela, bermudões e botas cano curto) podemos designar como características marcantes do GRUNGE. APENAS!
Seria uma injustiça muito grande reduzir o Alice in Chains dessa forma… As performances e o som singular da banda (uma mistura de Heavy Metal de equalizações DOOM e pós punk, com uma “desesperada” simbiose vocal) já saltavam aos olhos de forma cada vez mais crescente junto ao público. O convite para gravar o debut de estreia pela gravadora Columbia (por pouco não sai de forma independente), foi a mola catapultadora dessa geração que iria tomar as paradas de sucesso no início dos anos 90, e trazer uma mudança de perspectiva ao mercado sem precedentes.
Muitos acham que o marco zero da “avalanche” que resultou nessa transição, veio com “Nevermind” (um ano depois) do Nirvana. O impacto em ter tirado o imponente “Dangerous”, do “Rei do Pop” Michael Jackson, do TOP 1 da Bilboard foi realmente impressionante (e decretou o início de uma nova era)! Mas o primeiro disco dessa trupe a sair do underground, conseguir notoriedade e vendagens que levaram a ganhar rapidamente o Disco de Ouro (depois chegou ao Platina), foi “Facelift”, a grande estreia do Alice in Chains!
E olha, QUE ESTREIA! Foi o que precisavam Nirvana, Pear Jam, Soundgarden, entre outros, para dominar o mundo! O grupo que nasceu com uma alcunha provinda do Glam Metal (um dos estilos que encabeçou o maintream na década) foi moldando seu som de acordo com a ambientação ao redor: clima gélido, falta de perspectivas futuras, melancolia, experiências destrutivas com drogas… Não combinava nem um pouco com o cenário “festivo” que predominou a musicalidade dos anos 80.
Tudo começou no fatídico encontro (toda grande dupla do rock teve um, né?) no point “garageiro” Music Bank (galpão “fétido” de ensaio das bandas locais) do guitarrista Jerry Cantrel (que tocava no Diamond Lie) com o vocalista Layne Staley, que de cabelo comprido rosa e acompanhado intimamente de duas lindas garotas, chamava bastante a atenção no local. Jerry teve aquele insight: “preciso ser amigo desse cara”! Logo após esse dia estavam tão próximos, que foram morar juntos. Cantrel acaba com seu grupo por não sentir mais afinidade com o gênero Glam, e começa a arquitetura da engrenagem do que viria a ser o Alice in Chains.
Em sua cabeça, Layne possuía todo o carisma exigido para o posto, além das qualidades como cantor. Mas estava extremamente reticente em aceitar o convite, pois ainda se via envolvido com o Hard Rock colorido que enfervecia aquele momento, e preparava um novo bardo do gênero. Jerry já tinha fechado com o baixista Mike Starr e o baterista Sean Kinney (todos amigos de longa data), e a tática foi a da “pseudo-sabotagem”… Como assim? Convidaram-no para assistir o teste, e chamaram as pessoas mais sem critérios possíveis para cantar (na verdade foi um “show de horrores”!). Até um gogo boy, que simulou uma dança sensual, deu o ar de sua graça! Por livre e espontânea PRESSÃO, finalmente acabou atendendo os apelos dos três amigos, e assim o Alice in Chains (nome de uma antiga Hairband de Staley) foi oficialmente formado.
Após a assinatura do contrato com a Columbia, a gravadora ficou tão entusiástica com a nova probabilidade METAL dos caras, que colocou um mega poster deles em destaque na entrada da companhia. Reza a lenda que o saudoso Jani Lane, vocalista do Warrant, a nova “bola da vez” do cenário Hard Glam, ao adentrar a sede da corporação e visualizado o painel, teria dito em voz alta: “PERDI MEU EMPREGO”! Se isso aconteceu de verdade, realmente foi profético. Havia uma “inclassificalidade” para rotular o Alice in Chains, mas uma coisa era certa: fazia severa oposição em termos de proposta ao que estava imponente no mercado vigente, e esse contraponto realmente promoveu uma varredura geral, trazendo uma nova perspectiva de rock pesado ao grande público desde então. Começou com o sucesso perante as rádios do EP “We die young” (de 5 faixas), até o lançamento triunfal em disco, em 21 de Agosto de 1990, produzido por Dave Jerden. Vamos ao “faixa a faixa” de “Facelift”!
1 – “We Die Young” – Riff “sabbathiano” até a medula, quebrando a porta! Se não fosse pelas belas alternâncias vocais de Layne, e o solo cheio de microfonia e efeitos (os grandes diferenciais), assimilaríamos diretamente como mais uma banda de Metal. Os versos ultra diretos e pessimistas, acabaram sendo deveras premonitórios, já que Layne Staley e Mike Starr morreram bem jovens. E pelo mesmo motivo no qual a letra se inspirou, o vício em drogas pesadas que assolava Seatlle. A faixa rendeu dois vídeo-clips promocionais diferentes, sendo que o lançamento oficial os mostra tocando enquanto pessoas se afogam em uma piscina com sangue, objetos cortantes, e plásticos que sufocam os rostos (imagem que acabou sendo a inspiração para a capa e título do disco).
2 – “Man in the Box” – O sucesso avassalador dessa canção, foi o que ocasionou a grande explosão da cena Grunge, e é um dos grandes símbolos dos anos 90! Até hoje é a música mais conhecida da banda. Detalhe, teve SIM influência do passado Glam Metal na faixa. Jerry estava comentando com o produtor Dave Jerden o quanto gostava do efeito de “talkbox” em “Livin’on a Prayer” do Bon Jovi. Sugestão dada para a tentativa, e temos um dos riffs mais conhecidos da história! Uma das grandes marcas registradas da banda, dá as caras aqui pela primeira vez, o belo duelo vocal de Layne e Cantrel.
O clipe com enquadramentos que exalam tensão, se passa num rancho praticamente abandonado e contrasta com a letra, que narra um pedido de ajuda desesperado. Layne afirmou que a inspiração foi a censura na mídia de massa, e que “eu estava realmente chapado quando a escrevi”. Apesar da faixa ser praticamente unânime em sua aceitação, houve um dilema: como apresentar o grupo? Era muito alternativo para ser Heavy Metal, e muito pesado para o restante dos seus congêneres de cena. O nome disso é PERSONALIDADE musical, o que mostraram possuir de sobra.
3 – “Sea of Sorrow” – Um outro ponto forte do Alice in Chains acena-se aqui, a melancolia murmurada de forma arrastada basicamente junto ao riff, com grande influência do Doom Metal. Isso não impede a levada de ser contagiante, com um grande trabalho do baterista Sean Kinney. Detalhe, ele gravou sua participação no disco com a mão quebrada. Um balde com água e gelo foi o que ajudou a amenizar suas dores. Que raça, heim? O clipe foi gravado em película P&B, onde um jogo de sombras (influência expressionista) acentua o desespero do interlocutor da letra pela ausência de quem o abandonou. Apesar da “vibe negativa”, esse single também é um dos grandes clássicos da banda.
4 – “Bleed the Freak” – Aqui temos uma gênese completa de todo o pacote consagrador: introspecção, os belos vocais duplos angustiados, riff que se arrastaaaaa, e que ao mesmo tempo soa vigoroso. Vale destacar o belíssimo (e melódico) solo de Jerry Cantrel, cheio de feeling! O clipe de mais um single trabalhado no disco (pois é, a coisa rendeu!), traz uma apresentação ao vivo. Era o momento de mostrar como os caras rendiam no palco e “agitavam para valer”. A perspectiva das letras tinha mudado radicalmente, né? Nada mais de carros, garotas e festas. Essa por exemplo é cheia de devaneios de uma mente doentia, acrescida de metáforas sobre blasfêmia. A MTV que se tornava mais popular do que nunca ao redor do mundo, teve que se deparar com essa nova realidade em sua programação…
5 – “I Can’t Remember” – Introdução sinistra (olha o Sabbath aí novamenteeee), que resulta em mais uma “guitarrada” que contagia, apesar da atmosfera da canção ser reflexiva. Um dos grandes trabalhos vocais de Layne no disco! Seu pai foi assistir a um dia de gravação e ficou assustado em ver como seu “menino desajustado” estava cantando MUITO! A letra sobre um estado de confusão, tem ainda mais potência com a curta duração, e o encerramento abrupto. IMPACTA!
6 – “Love, Hate, Love” – Aqui temos essa dor de cotovelo, ou para utilizar um termo mais atual, uma “sofrência” dos infernos, nessa balada de ares “sinistros” (remete a algumas pérolas do Alice Cooper nos anos 70), com belo refrão choroso. O instrumental é incrível, as melodias e o solo “bluesy” de Jerry, os incisivos vocais “arregaçados” de Staley, e com uma “pseudo-calmaria” percebemos melhor o poder da “cozinha” de Mike Starr e Sean Kiney. Primor de música!!!
7 – “It Ain’t Like That” – Tudo começou com um “riff da zoera”, que Jerry achava engraçado e era tocado nos ensaios entre uma música e outra para dar uma descontraída. Exatamente ISSO! Um dia, todos em um “insight de consenso” perceberam que a partir daí, poderia sair coisa boa… E COMO SAIU! É um dos mais poderosos petardos da carreira dos caras! Os versos com divagações filosóficas de um ataque de pânico que leva ao fechamento de um ciclo (no caso a morte), passeia por uma estrutura melódica poderosa que remete a sensualidade, mais ecos de Tonny Iommy para “variar”, e rigorosamente NADA de diversão. Quando as coisas dão certo, até os equívocos acabam se tornam acertos, concordam?
8 – “Sunshine” – O instrumental traz uma influência melódica e de dinâmica que muito remete ao Hard Setentista, principalmente o refrão. Mas a voz sussurrada e desesperada (descrevendo um estado doentio e em algumas passagens abstrato), contrasta com as harmonias de duo voice, e MAIS UMA VEZ colocou muita gente para coçar a cabeça e perguntar: o que é isso??? Influência gritante a partir daí para o rock alternativo e porque não, do próprio Heavy-Metal. Muitas bandas do gênero beberam na sonoridade apresentada AQUI, nessa faixa!
9 – “Put You Down” – Outra surpresa!!! Levada “funkeada”??? Pois é, uma suavizada EM TERMOS, porque a letra tem mais uma “bad-trip” pesadíssima, resultante de um rompimento afetivo. Mas a sonoridade tem explicação, o produtor Dave Jerden simultaneamente estava produzindo com Perry Farrel, o seminal “Ritual de lo Habitual”, do Jane’s Additction. Ele mostrou algumas coisas que estavam gravando, e além da admiração imediata, isso deu uma influenciada “das BOAS” para composições como essa.
10 – “Confusion” – Esse é o arremedo mais próximo de uma “balada clássica” que temos em “Facelift”. Apesar do já tradicional urro agoniante da narrativa, que retrata um conflito desnorteado que moverá uma separação, e do peso assolando o refrão, é uma bela canção, e sim o momento mais “suave” do disco. Mais uma GRANDE composição, em que Layne Staley apresenta seu comitê de boas vindas, como um dos principais cantores da sua geração!
11 – “I Know Something’ (Bout You)” – Funk’o’Metal!!! Esse rótulo pintou FORTE também no início da década de 90, muito pela acensão de grupos como o Red Hot Chilly Peppers e o Faith no More. Aqui especificamente o
Jane’s Additction com sua sonoridade alérgica a rótulos, é levado de vez como influência, e a mistura de black music, lisergia e rock alternativo, é MUITO bem representada nessa cativante canção, que mesmo com sua letra carregada de vingança e intenção de chantagem, é o momento mais “good vibes” do disco.
12 – “Real Thing” – O fechamento do CD (sim, era o grande momento da popularização desse “novo” formato físico) é em grande estilo, numa “pauleira” de tirar o chapéu que descreve alguém lutando desesperadamente contra o vício da cocaína em um grito de súplica. Pela descrição aguçada, de todo o processo, acabou tendo problemas para sua execução radiofônica. Possivelmente já era previsto, por isso a escolha em finalizar “Facelift”!
“Facelift” foi um MARCO, trazendo o Alice in Chains rapidamente para o pico do cenário mundial, capitaneado principalmente pelo sucesso avassalador de “Man in the box”, “campeoníssimo” em execução radiofônica e televisiva, com o clipe oficial sendo transmitido a exaustão, principalmente pela MTV, que despontava com força total especialmente aqui no Brasil. Inclusive concorreu ao Grammy de Melhor Performance Hard Rock em 1992, sendo preterido na premiação pelo Van Halen. Hoje, independente da carreira gloriosa que viriam a ter, ainda é através desse HINO que muitas das vezes a banda é apresentada as gerações subsequentes.
Apesar do estranhamento pela proposta musical, foram convidados para turnês gigantes de abertura com ícones rock de sonoridades diferentes, como a de divulgação do platinado For Unlawful Carnal Knowledge (ou F.U.C.K) do Van Halen, Iggy Pop, Poison, e do festival Clash of Titans, integrado por Testament, Anthrax, Megadeth e Slayer. Obviamente tomaram bastante vaia de grande parte dessas plateias (o público de Metal era BEM mais radical nessa época), mas além da “coragem”, a volta por cima veio com números: suas vendagens e porque não popularidade, superam a dos quatro gigantes do Thrash, JUNTOS!
Depois com a consagração da cena GRUNGE, isso foi devidamente corrigido, havia um nicho de Seattle para dialogar em shows conjuntos, mas é com certeza HOJE uma das bandas mais respeitadas desse cenário do tão multifacetado consumidor de rock’n’roll, principalmente os de Metal. Aliás, recentemente o “Madman” Ozzy Osbourne fez uma lista dos seus dez discos preferidos, e sim, “Facelift” esta lá entre eles! E concordamos com sua declaração: “uma das estreias mais impactantes da história da música”! Quem somos nós para discordar, não acham?
Por Alessandro Iglesias, dedicado a Layne Staley e Mike Starr.