Fusion de Danças Urbanas, de Belo horizonte, apresentará o espetáculo “Pai Contra Mãe” no CCBB RJ

Há 128 anos, com a assinatura da Lei Áurea, o regime escravocrata foi oficialmente abolido do Brasil. Comparativamente, o tempo é menor em relação ao período em que a escravidão aconteceu legalmente no país: aproximadamente 360 anos. E, por mais que tenha se passado quase um século desde a abolição da escravatura, a soma desses anos deixou abertas feridas de difícil cicatrização, como o racismo e a violência contra a mulher, em especial a mulher negra. Com o objetivo de lançar luz sobre estas questões, a Cia Fusion de Danças Urbanas, de Belo Horizonte, encontrou no conto “Pai Contra Mãe”, escrito por Machado de Assis em 1906 – apenas 18 anos depois da assinatura da Lei Áurea, mas que se passa ainda na década de 1860, antes, portanto, da Lei do Ventre Livre –, inspiração para o espetáculo de dança de mesmo nome. Depois de temporada de sucesso no CCBB-BH, a companhia leva o espetáculo ao Rio de Janeiro nos dias 21 e 22 de janeiro (sábado e domingo), às 19h, no CCBB.

“A temporada de oito dias em Belo Horizonte foi incrível e com casa cheia. Foi muito bom perceber que conseguimos de fato passar a mensagem para o público presente, que respondeu ao espetáculo de forma extremamente positiva. Foi também fundamental para o amadurecimento do trabalho, que chega ao Rio mais maduro, mais forte e mais contundente”, afirma Leandro Belilo, diretor do grupo.

Duas situações conflitantes conduzem o enredo do texto machadiano que inspirou o espetáculo, que se configura como um convite à reflexão sobre temas que perpassam a vida em sociedade: de um lado, uma escrava grávida foge de seu senhorio com o sonho de ver o filho livre – uma vez que o fruto de seu ventre também estava condenado à escravidão; de outro, um homem livre da senzala descobre que vai ser pai, mas, devido às suas condições precárias de vida – como a pobreza e a fome –, vê na captura da escrava fugitiva a chance de dar um futuro ao filho, devido à recompensa que lhe seria dada.

“Esta história parece datada, mas pode ser facilmente transportada para os dias atuais, em que muitos brasileiros continuam sendo escravizados e violentados de diversas maneiras. Até hoje, feridas da escravidão do passado ainda não se cicatrizaram e se multiplicam pela associação de antigas, porém persistentes, e novas mazelas da nossa sociedade, como o racismo, a violência, o sexismo, a ânsia pelo poder e a vaidade humana”, analisa Isadora Rodrigues, integrante da companhia e produtora do espetáculo.

Para retratar situações tão complicadas, embora recorrentes, os bailarinos Leandro Belilo – que também assina a direção –, Aline Mathias, Augusto Guerra, Isabela Isa-Girl, Jonatas Pitucho, Silvia Kamylla e Wallison Culu (que faz assistência de direção) vão construindo as cenas a partir dos movimentos das danças urbanas, em coreografias criadas de forma colaborativa. Durante o espetáculo, o grupo problematiza temas como o racismo, a violência, a perpetuação da pobreza e suas relações com a história do Brasil por meio das coreografias pautadas em variadas linguagens provenientes do universo da cultura negra e urbana.

A trilha sonora do espetáculo foi construída a partir de criação original por Matheus Rodrigues e de eclética seleção musical proposta por Leandro Belilo, que reúne desde rock ao samba de Elza Soares. A música “Maria da Vila Matilde”, do álbum mais recente de Elza, A mulher do fim do mundo, não foi escolhida por acaso: ela vai ao encontro da proposta da coreografia de lançar luz sobre questões relacionadas à violência, neste caso, a violência doméstica contra a mulher.

Sobre a relação do conto com as questões de gênero, vale dizer que, mesmo tendo sido escrita há bastante tempo, a obra já discutia questões que ainda hoje reverberam contemporâneas, como as diferentes formas de se tratar um homem e uma mulher na sociedade. “Ainda que de forma bastante sutil, a discussão sobre gênero já está colocada no texto do Século XIX, e, agora, neste espetáculo do século XXI, fica escancarada. Esse assunto é um dos pontos mais importantes da construção desta montagem, fazendo, por isso, bastante sentido que fosse pontuada no título do trabalho”, explica Isadora.

Depois do Rio de Janeiro, a Cia Fusion de Dançar Urbanas voltará para Minas Gerais para apresentar “Pai Contra Mãe” em cidades da região metropolitana e do interior. Em fevereiro, o grupo se apresenta em Nova Lima, e, em março, em Ibirité. A circulação do espetáculo prossegue em abril, com uma apresentação em Uberaba, no Triângulo Mineiro.

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