Novo Som: GILBER T
Nascido em São Gonçalo no início dos anos 70, desde muito novo influenciado pelas músicas que saiam na vitrola Phillips de seu pai, onde o constante revezamento de discos de artistas como Luiz Gonzaga, Elvis, trilha da novela Escalada, Gilberto Gil e Jorge Ben, entre outros, ajudava a construir a personalidade musical do menino que hoje é compositor, guitarrista e produtor. Aos 7 anos teve seu primeiro encontro com as cordas, através de um cavaquinho que ganhou, e depois aos 10 anos foi a vez do violão. A partir dai começam as tentativas de tecer suas próprias músicas e estilo.
Nos anos 90 cria a banda Tornado, que circulou entre o eixo Rio – São Paulo em diversos nichos Undergrounds, apresentação em festivais, TV, revistas e fanzines, fatos que ajudaram a entrada na coletânea “Grooves From Rio”, que foi produzida por Ronaldo Pereira, na época produtor/empresário da banda Planet Hemp (fazendo parte do coletivo de bandas denominado “Hemp Family”), causando uma maior repercussão e rendendo a banda uma forte imagem de profissionalismo, que era reforçada por apresentações explosivas, ajudando a alastrar sua história.
Após esses anos e através do boca a boca sobre seu desempenho e criatividade , fez com que Gilber T participasse em trilhas sonoras, criação de jingles, produção, co-produção de outros artistas de Niterói , além de convites para participações em shows locais. Grava o disco “Eu não vou morrer hoje”, cujas composições, de temáticas urbanas e confessionais, tem boas críticas e circulação nacional, por sua mistura orgânica, samplers e eletrônica, como pano de fundo para muito folk, rock, rap e reggae e contando com participações de SpeedFreaks (morto em 2010), Rabú Gonzales e Luciana Lazulli (cantora lírica) entre outros.
Em 2013 lança “Dia incrível”, apresentando sons ensolarados, de forma mais orgânica, utilizando menos sampler, com participações de nomes como Gerson King Combo e o Rapper De Leve, dando vazão a sua percepção de música Black, em que o mesmo espírito “do it yourself” se faz presente. Disco que além de render ótimas críticas, teve circulação nas listas de melhores discos independentes daquele ano, que rendeu uma apresentação no renomado Festival MADA/2014 na cidade de Natal/RN.
“Contradições“ é o disco a ser lançado em 2016, que fecha uma trilogia de não se manter fiel a estilos ou padrões, em que a parceria entre Gilber T e Bruno Marcus atinge o auge de experimentação e amadurecimento, realizando um trabalho MEMORÁVEL. Sempre com muito groove e honrando as influências absorvidas dos MUITOS convidados que colaboraram com o disco (Gerson King Combo, Nervoso, Bacalhau, De Leve, DJ Corysco, etc), a única unidade que o disco possui é o compromisso com a QUALIDADE.
No ano que Prince nos deixa para viver em seu mundo púrpuro, a conexão com o mesmo após ouvir o petardo é inevitável. Impossível se destacar uma faixa, exatamente por que o niteroiense e sua trupe atiram para todas as direções: rock, funk, rap, soul, psicodelia, pop, música brasileira, eletrônica… A salada sonora magistralmente produzida por Bruno Marcus, sempre te instiga para saber qual será a novidade da canção seguinte, com todas as letras inspiradíssimas. E SIM, quando acaba, dá vontade de voltar e ouvir tudo novamente. E isso ocorre porque é um dos GRANDES trabalhos desta década, simples assim.
No ano em que coincidentemente é publicada a biografia do próprio Gilber T, no livro intitulado “Brodagens“, do escritor Pedro de Luna, que fala da trajetória do músico no universo underground carioca dos anos 90, época dos zines, fitas K7 e amizades construídas de forma presencial, antes da internet, até os dias atuais. Esse registro literário juntamente com “Contradições”, representam a confirmação de Gilber T como um nome que necessita impreterivelmente ser ouvido. E também LIDO, interpretado e degustado!
Entrevista com GILBER T:
1 – No programa GELEIA MODERNA que a CULT MAGAZINE (escute aqui) participou, Pedro de Luna afirmou que a biografia “Brodagens” teve a intenção de dar a você a importância que merece dentro daquela cena. Na sua opinião, porque o grupo TORNADO não repercutiu em termos de mídia como os companheiros da “Hemp Family”?
R: O Pedro é um querido e desde que conheceu o Tornado ajudou a criar situações e divulgou muito a gente. O mais legal é que não era um amigo de infância ou chegado a principio, se aproximou pelo som, por ver alguma relevância nas coisas que fazíamos. Então ele e alguns amigos (que inclusive deram entrevista no livro) parece que depois de tanta banda de nossa época ter desistido ou sucumbido a se modificarem para sobreviver, tiveram esse sentimento de não reconhecimento da mídia quanto ao Tornado.
Mas sinceramente o que penso disso é que tocamos em locais maravilhosos, inclusive ao lado do Planet Hemp em seus primeiros shows, assim como O Rappa. Saímos na primeira coletânea carioca de mescla rap/rock e soul “Groovesfrom Rio” onde também foi o start do Gustavo Black Alien e da banda Squaws para o cenário nacional. O Tornado se apresentou na MTV, conhecemos o Fábio que nos proporcionou tocar no Garage diversas vezes, saímos nas revistas e zines mais incríveis do país, tocamos na primeira edição internacional da Expo Tattoo na Fundição Progresso, tendo ótimas críticas que cada vez mais ajudavam a trazer curiosos aos nossos shows, se tornando fãs…
Enfim, éramos uns caras de São Gonçalo, com emprego formal, conciliando isso com ensaios e shows de uma banda underground, chegando em casa após algumas apresentações as 5hs da manhã e tendo que acordar as 7hs para ir trabalhar. Quando li no livro (só tive acesso as entrevistas depois de pronto), em alguns pontos achei que falhamos em não socializar mais, mas as pessoas não podiam e nem deviam entender o perrengue que era pra gente tocar fora de nossa cidade e ter que ir trabalhar na manhã seguinte.
Na época uns falaram que a gente era careta, o fato de não fumar erva e não falar dela em nossas letras podia nos podar. Mas os caras que mais nos deram moral em termos de show foi justamente a galera do Planet Hemp. O Formigão usava nossa camisa, Bacalhau, D2 e o Bnegão que pintavam no Garage muitas das vezes que tocamos, e falavam bem de nós para muita gente.
Dos esforços que espontaneamente rolaram, cito o produtor Tom Capone (que já conhecia o Tornado desde o selo Fora da Lei). Quando ele entrou para a Gravadora Warner e uma de nossas demos chegou em suas mãos, geral achava que a gente ia bombar, mas a direção da mesma acabara de contratar o Pavilhão 9 e acharam o nosso som na mesma linha, dai não rolou. O mesmo aconteceu com a gravadora Polygram contratando o Squaws ao invés do Tornado (fiquei sabendo através do livro).
Mas um segredo que vou contar é que o Tornado apesar de ser considerado uma banda de rap/hardcore, fora a similaridade do som, nunca rolou a preocupação do texto ser rimado ou trazer as temáticas do rap da época. Nós pirávamos ouvindo Helmet, De Falla, Public Enemy e Prince, mas o que deu a liga no que seria o texto do Tornado, foi o fato de que no dia que chegamos atrasados a uma seção de exibição de um vídeo de um show do Public Enemy, e tivemos que assistir o do show do disco New York do Lou Reed (a início não curtindo mas vimos na íntegra).
Me remeteu muito as coisas do Dylan por ser praticamente falado, então eu via rap até naquela forma de crônica rock. O que fazíamos parecia rap, só por ser falado, mas a ideia era outra. Então é isso, se o Tornado não rolou, era porque não era para ser e também porque no fundo acho que ninguém realmente entendia qual era a nossa.
2 – Como avalia seus dois álbuns solo anteriores a “Contradições”?
R: Cada um trouxe alegrias diferentes ao mesmo tempo que pânicos diferentes. A conclusão de cada disco vinha acompanhada de ”E como fazer para divulgar?” O primeiro, “Eu não vou morrer hoje!” foi uma espécie de sair das amarras do que poderia ser uma continuação do Tornado, eu usei todas as minhas influências para construir, mas queria achar um produtor que não tivesse ranços com rock.
Foi dai que apareceu o Bruno Marcus em minha vida, que vinha do coletivo Quinto Andar, um produtor cria do rap, acostumado com cortes, edição, samples e queria praticar seus conhecimentos em outros tipos de som. Fora o fato do disco coincidir ser construído durante uma fase em que meu pai sofria de uma doença renal e em que minha vida era dividida, entre trabalho do disco e a doença dele.
Teve também a alegria da volta de Speed para Niterói, onde do nosso reencontro nasceu a música “Alameda São Boaventura”, que virou uma espécie de hino dos engarrafamentos por aqui. Com o lançamento do disco, também ocorre o falecimento de Speed. Não foi só um disco, é uma das partes mais importantes de minha vida.
“Dia Incrível” foi da fase que eu queria muito fazer um trabalho soul e romper com o primeiro disco esteticamente, sendo esse mais orgânico e se iniciou com a cara de pau que tive ao chamar o Gerson King Combo a cantar na faixa título e ele ter aceitado. Da mesma forma que o primeiro, esse teve ótimas críticas, foi a época em que mais tocamos e que se achavam que minha praia era o indie e o alternativo.
Nesse começou a pintar a galera do funky e soul, período que rolaram estranhamentos por parte de banda e público, porque não abri mão das guitarras distorcidas e do sampler. Então quem esperava estereótipos, mas se surpreendeu ouvindo e curtindo os sons, simplesmente foram sugados para nosso universo.
“Dia incrível” nos levou ao festival MADA em 2014 e levamos o King como nosso convidado. Foi engraçado ler as matérias quentes, que diziam que o som era uma fusão de funky e soul, e as críticas pós show darem a entender que ficaram pasmos por sermos uma banda de rock. São dois álbuns diferentes e a intenção foi sempre essa, pois cada canção foi pensada de forma a despistar rastreadores e radares. O que se acha que é, pode não ser bem assim, e a intenção é que todos os discos conversem entre si, mas rejeitem os mesmos atalhos.
3 – Como se deu o processo de “Contradições” e suas muitas participações? Como foi a administração do processo resultante que gerou um disco tão incrível?
R: Obrigado por ter esse sentimento sobre o disco. É um trabalho que não teria surgido se não fosse o Bruno sugerir que já estava na hora de fazer um novo álbum. Financeiramente eu não tinha como, só tinha um punhado de canções muito diferentes de tudo que eu já tinha feito e ia mostrando para ele. Então chegou um ponto que ele me ofereceu uma permuta (já tínhamos feito isso em “Dia incrível”), ou seja, eu gravaria “Contradições” no tempo e em condições que eu quisesse , experimentando no estúdio Tomba. E retribuiria gravando e ajudando na produção do novo disco da Tomba Orquestra (projeto que circulam vários músicos, do qual além de tocar guitarra, também co-produzi o primeiro álbum).
Isso veio em um momento muito importante, porque minha intenção até então, era gravar com a banda de forma rápida, aquelas músicas que achava que ninguém iria entender por serem tão diferentes. Mas ele também pilhou a chamar a galera que rondava o estúdio e principalmente quem a gente curtisse e tivesse um trabalho instigante. Isso independente de ser famoso ou não, fazer parte de outro estúdio, panela ou coletivo, passando por cima do que poderia ser um fator de impedimento, desde que a pessoa aceitasse.
No final somaram-se 26 pessoas tocando, cantando, dividindo composição, masterizando, fazendo a arte do disco e tirando fotos… Tudo podia dar muito errado e ser muito mais demorado, mas para nossa surpresa, tudo deu certo principalmente porque todo mundo se prontificou de primeira e trouxe o seu melhor! Se ouve algum trabalho, foi conciliar suas agendas (que no final nem foi tão complicado assim).
Apesar de ter gente vinda de tudo que é universo, passando pelo eletrônico, experimental, indie, afro ou rap por exemplo, é um disco de ideias simples, em que segundo o Bruno, mesmo eu sendo tão prolixo, consegui sintetizar as ideias e o texto. Mas o mais importante é que é um disco extremamente pop feito por gente do underground… Coisa que no estúdio carinhosamente acabaram apelidando de “popão do underground”.
Não sabemos onde podemos levar ou onde o disco vai chegar, mas não é um disco para promover o Gilber T, é um disco para promover o encontro de gente que provavelmente jamais tocaria junta. Usamos as contradições como uma ferramenta coletiva que foi moldada de forma independente, por colaboração espontânea, ou seja, para nós existem valores envolvidos muito maiores que o próprio disco em si.
4 – Bruno Marcus é seu produtor parceiro definitivo, já que estão há tanto tempo trabalhando juntos?
R: Posso dizer que sim, porque uma coisa que sempre conversamos é sobre o “ranço” e o quanto persistimos a manter distância dele. Eu me encontrei em meus trabalhos por causa do Bruno, porque nossos interesses com relação as estéticas são muitos parecidos, mesmo que tenhamos vindos de escolas diferentes, é mútua a procura de liga em canções com elementos distintos.
As vezes vejo nossa parceria como uma forma de romper o tempo todo com o que acabamos de fazer para seguir para o inesperado novamente. Acho que é um exercício de se provocar e testar nossos limites. Em parceria com o Bruno fora do meu trabalho produzimos documentários, jingles, coisas rock, punk, rap, musica eletrônica, dub, funky e soul…
Mas sabemos que qualquer um que se dedique hoje em dia tem como fazer o mesmo, mas se tem algo que acho que rola no que procuramos, é imergir em um estilo antes de produzir algo de acordo com o mesmo. Não estou falando apenas de estrutura de composição ou construção. É um trabalho principalmente feito em ressaltar texturas e assuntos inerentes, muitas das vezes lendo sobre, tentando ir a fundo na origem, entender os porquês… Por que se não acaba sendo mais um som bem produzido e nossa intenção é sempre buscar a alma, e acho que além dele ser meu herói é um dos caras que mais entendem isso.
5 – Qual a estratégia de divulgação para o álbum? Tem uma parceria junto com o lançamento do livro “Brodagens”, né?
R: O que há dessa vez é a confluência de coisas muito parecidas rolando e estamos tentando usar isso para fazer chegar às pessoas. O que posso dizer sobre o que adotamos com o surgir do livro e disco é tocar em todos os picos que independente de serem utilizados para determinados formatos também serviriam para gente, desde que tivessem um mínimo de estrutura.
Como resolvermos adotar um nome para banda dos amigos que me acompanham (Os Latinos Dançantes), também surgiu uma das fases mais bonitas de minha vida, pois antes de começarem os ensaios das músicas de “Contradições”, tivemos reuniões muito sérias sobre oque cada um queria e o que poderia oferecer, tendo a consciência que mais uma vez era partindo do zero, sem sucessagem, provavelmente passando por perrengue mesmo tendo contas, filho e vida adulta nas costas…
Mas principalmente fazendo do nosso jeito, os caras chegaram e disseram que queriam muito estar nessa e levar os sons do disco para onde eu fosse. Isso foi uma das maiores demonstrações de carinho que tive. Em resumo, começamos os shows tocando em livraria, na rua, dentro de um skate bowl, dentro de um curso de Alemão, divulgando em rádios virtuais, etc.. Lugares onde só caberiam livros, levamos a banda ou parte dela e em locais que só se esperassem o show levamos o livro.
Se existe algo próximo a estratégia nisso é irmos juntos onde o outro for, se abrem espaço para o livro “Brodagens”, o CD “Contradições” vai junto e vice e versa, coisa que vem desde a pré-venda que fizemos em uma página de rede social, onde vendemos discos e livros antecipadamente para pessoas de vários estados do país que confiaram e se sentiram interessadas pela proposta. Estamos ficando mais velhos, mas não fechamos os olhos para o novo, para as novas ferramentas e isso tem nos tem ajudado muito.
6 – O CULT MAGAZINE agradece pela entrevista, te parabeniza pelo belo disco e deixa o espaço livre para dar seu recado e deixar suas fontes de divulgação, tá bom?
R: Obrigado a Cult Magazine pelo trabalho bacana e sério. Já ouvi várias coisas sobre o “Contradições”, até então coisas positivas, mas ainda é só o começo, sei que tem muito trabalho pela frente. Mas quero deixar claro que amo e respeito a música, e esse disco foi feito em respeito a ela com todo recurso possível e investimento de vida de quem respira isso, mesmo que de forma simples e em um quintal underground.
Minha bandeira leva o nome de um monte de gente, não estou nessa acreditando que tenho alguma relevância, estou nessa por que vejo relevância nas pessoas que me incentivam e colaboram de coração e espírito. Obrigado a todos vocês e por ainda poder ligar minha guitarra e fazer um baita esporro ao lado de um monte de gente que tem muito amostrar . “É a coletividade que vai dar uma lapada nas leis e uma bicuda no ovo direito da ordem”.
Aperte o play e escute o trabalho de Gilber T:
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Por Alessandro Iglesias