Polysom lança o vinil de “Cavalo”, de Rodrigo Amarante

Rodrigo Amarante - Cavalo (2013) capa

Confira a carta escrita pelo artista:

Rio de Janeiro, 17 de Setembro de 2013

Eis aqui o meu primeiro disco. Foi feito num inesperado porém muito bem-vindo exílio, numa terra onde não me imaginava achar mas que, por conta de toda diferença e de na chegada eu lá ter sido um total desconhecido, me deu a divina oportunidade de re-conhecer a minha natureza, recobrar a minha ascendência e as minhas saudades que, de longe, entravam em foco umas enquanto se esmaíam outras. Pois que, na solitude de ser estrangeiro, pensando na mobília que havia abandonado e tentando ainda enxergar-me nela eu me encantei com a sala vazia, com o espaço, e me pus a olhar pra distância,a ver o duplo que me espelha de fora, que reflete a visão que chamo de minha, veículo e cúmplice inventado do qual sou eu também o canal, esse que chamo Cavalo.

Eu sempre me senti estrangeiro de um jeito ou de outro, me mudando a cada 3 anos durante a infância e adolescência, fingindo ter o desprendimento e a coragem que acabei por inventar mas carregando secretamente a mágoa do desvio, da espera da volta. Quando por fim voltei ao Rio com um sotaque três vezes mexido e vi que essa minha terra natal era minha mais por eu a ter inventado descobri-me assim, estrangeiro, e me senti livre e agradecido. Acabei partindo de novo. De repente me vi num deserto, feliz de estar só, deslumbrado com o vazio, com o silêncio, de onde escrevi essas músicas. Acredito que todo mundo em alguma medida também se sente estrangeiro, na forma como outros o vêem, em seu corpo, em seu destino talvez, e por isso sonho que esse meu veículo, espelho imprevisível que preencho, que me serve e me move, possa também mover a ti, servir ainda a outros, com sorte.

Pra dar lugar a esse duplo que se cria como eco num vão, que se mostra na distância, eu abri espaço o quanto soube, tirei até sobrar quase o mote, joguei fora os adjetivos eu sei outros idiomas que por eu não dominar como o meu me levaram a uma nova concisão, códigos que não serão compreendidos sempre e que por isso criam mais espaços, levam a outros desvios, invenções. Joguei fora também a capa. Tudo o que estava do lado de dentro protegido pela máscara veio pra fora, ficou exposto, limpo de direções, cores, está claro e sem vergonha, aberto. Se revelou a beleza simples da página, o preto no branco que a gente gosta de usar como sinônimo de coisa exata mas que é justo onde moram as infindáveis delícias da interpretação, onde há o maior dos vãos, onde está num enfileirado de códigos o potencial reflexo improvável de ti, do teu olhar. Dentro só o que ouvir. Aí outra separação, outro espaço e outro duplo, dentro e fora, superfície e volume, a coisa e o nome da coisa, eu e a ideia que faço de mim. Entre um e outro a mão estendida, o trem parado na estação, o véu, o teu próprio sonho. Com sorte!

Obrigado pela chance.

R.Amarante

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