Redenção de Lauryn Hill em terras tupiniquins

Sucesso absoluto! Assim podemos descrever a trajetória do festival Back2Black, já estando na sua quarta edição consecutiva do evento no Rio de Janeiro e tendo realizado uma versão londrina super badalada nesse ano de 2012. A valorização das influências africanas na multiplicidade sonora no qual se enquadra deveras ampliadamente o termo Black Music, atende a um grande apelo que se faz notório em tempos globalizados e é um dos pontos cruciais na consolidação dessa grande festa de exaltação a cultura negra.

Além de artistas consagrados, jam sessions inusitadas e de novos talentos do mundo inteiro (em dois palcos simultâneos), a proposta da curadoria se estendeu a um caráter multimídia: debates e conferências diversos, mostra de artes plásticas em backlight e um vagão-estúdio com uma banda tocando ao vivo consistindo-se num karaokê, no qual a performance do aspirante a cantor será gravada e mandada ao próprio por e-mail. Vale ressaltar também a suntuosidade do espaço (a desativada estação férrea da Leopoldina) fica indissociável imaginar o Back2Black sem a interatividade com o belo local escolhido.

Nesse primeiro dia no palco principal, os trabalhos se iniciaram com Martinho da Vila. O grande sambista (dispensa comentários) que foi um dos primeiros a fazer a ponte direta entre Brasil e África (sua popularidade em Angola é enorme!), reuniu um time da pesada em seu show: sua filha Mart’nália (seu último disco produzido por Djavan, a alçou ao posto de uma das maiores cantoras do País), Manecas Costa (de Guine-Bissau), Tito Paris (de Cabo Verde), Riachão (com seus 91 anos!) e a excepcional e subestimada cantora baiana Virginia Rodrigues. E Martinho comandou a festa, como só um autêntico bamba do samba faria. Poderia ter se tornado um caldeirão étnico desencontrado com tantas participações, mas com o cantor no palco a coisa se torna fácil, conduzindo a bela “bagunça” com maestria, como numa autêntica roda de subúrbio. Botou todo mundo pra dançar e se o lugar já estava quente (foi piorando ao longo da noite), incendiou de vez! Ponto!

No palco Petrobras, os jovens cariocas do Novíssimos, investiram na sua mistura sonora repleta de influências de samba, jazz, música nordestina, instrumental brasileira, funk-groove e salsa. Poucos viram, mas o saldo foi positivo, temos tudo para ainda ouvir falar muito deles. O recifense ex-integrante do Mestre Ambrósio (seminal banda da cena Mangue Beat) Siba, veio em seguida apostando numa mistura inusitada do vocal falado dos cirandeiros (como o mesmo descreve na sua divulgação) com a sonoridade do Maracatu, desenvolvida em seu mais recente grupo (o Fuloresta), que com seu trabalho de estréia foi indicado ao Grammy Latino. Só que ao vivo, definitivamente a proposta não funcionou. Como foi um dia de atrações com intensidade nas alturas, nada que tivesse tons reflexivos se destacaria. Pode ter qualidade, mas nitidamente estava MUITO deslocado dentro do contexto proposto.

A expectativa era grande em torno do nome de Nneka, nigeriana criada na Alemanha e considerada pelo jornal inglês Sunday Times uma das maiores revelações da soul music na atualidade. Com letras que abordam temas políticos provenientes da experiência vivida nos dois continentes (em inglês e no dialeto Igbo), sim, ela realmente tem uma voz incrível! Mas com certeza a badalação em torno do seu nome nesse momento de sua carreira é exagerada. Falta constância ao seu repertório com forte influência da música jamaicana e no palco, precisa de mais segurança e estrada.

Tem artistas que utilizam a timidez a seu favor, mas não se comunicar em nenhum momento com o público e cantar em TODA a apresentação de olhos fechados, acaba inevitavelmente afastando-a. E mesmo com todo seu potencial, essa troca tão importante com a plateia fica prejudicada. Mas tem grande talento e pode vir a se tornar de repente como alguém que viria logo em seguida naquele mesmo palco… Em termos, pois a programação que estava redondinha começou a atrasar e a lotação beirava as raias do insuportável. As filas para se comprar algo eram imensas, o local onde ficavam os banheiros químicos era longe de tudo e o deslocamento para se acompanhar todas as atrações se tornou uma tarefa hercúlea.

No palco alternativo, o cantor e percussionista do Congo, Jupiter Orkwess, nos proporcionou o grande momento “teletransporte ao continente africano” da noite. Sonoridade, roupas, dança, atitude… Nos sentíamos lá, não tinha jeito! Com direito a uma grande e animada roda no meio do povo, com a maioria tirando os calçados para dançar e pular. África total! Inflamou como ninguém esse espaço no primeiro dia do festival.

E eis que finalmente a grande estrela da noite adentra ao palco principal, Miss (como a própria se intitula) Lauryn Hill! A maior estrela da música negra surgida na década de 90 (através do grupo de hip-hop Fugges), vencedora de sete prêmios Grammy e com uma marca impressionante de quase 40 milhões de discos vendidos, infelizmente é lembrada por sua última passagem ao Brasil, onde atrasou em quase duas horas um show considerado morno, acrescido de ataques de mau humor e estrelismo. Só que ninguém conseguiu rememorar isso depois que a pequenina (muito baixinha mesmo!) deu as caras e se tornou uma GIGANTE em sua apresentação! Energia de sobra, voz excepcional, grande banda de acompanhamento, público na mão a todo o momento, disse a que veio e mostrou que todos os seus números conquistados não foram à toa.

O povo só respirou quando propôs um momento de reflexão, com o rapper brazuca Gabriel, o Pensador traduzindo para o português sua nova canção “Black Rage”, poesia repleta de metáforas sobre o racismo e injustiças sociais. O que poderia ser uma grande “barriga” no show, pois Lauryn exigiu silêncio absoluto da massa, acabou contando a favor para uma providencial espairecida em virtude do calor beirando ao desunamo nesse momento. Com certeza esse foi o principal ponto negativo mediante toda a logística do evento.

O final teve sensação de montanha russa: Fugges, Bob Marley e logicamente seu maior hit mundial, a versão para a linda balada de Roberta Flack, “Killing me Softly”, berrada do inicio ao fim! Após essa contundente sessão de “hipnose coletiva”, o público saia exaurido, mas com semblante feliz. Apesar dos probleminhas estruturais, primeira noite do Back2Black terminou com saldo mais do que positivo.

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Texto: Alessandro Iglesias

Fotos: Gabriela Esteves

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