ROCK IN RIO não é “MAIS” um festival de rock???

Esse ano, 2019, teremos mais uma edição do festival considerado a maior franquia de música e entretenimento no mundo inteiro, em sua cidade natal. E toda vez que o casting do Palco Mundo começa a ser anunciado, um dos maiores questionamentos que temos acesso (quase como um mantra!), é que o Rock in Rio “NÃO PRESTA MAIS PORQUE DE ROCK NÃO TEM NADA”!

Eu entendo que esse brado parte do público mais roqueiro, e que teria esse ensejo. No Brasil temos anualmente edição anual do Loolapalooza em São Paulo e vários eventos de música independente incríveis pelo país, onde o rock costuma “dar as caras” de forma incisiva. Mas ao falar do Rock in Rio isso não procede, e basta passarmos a limpo pela trajetória do festival, a começar pela histórica e primordial primeira edição de 1985.

Saindo de uma ditadura militar, e com péssima fama no mercado do “showbusiness” mundial (Kiss, Van Halen e The Police reclamaram de calote, roubo de aparelhagem e logística sofrível, em sua vinda aqui no início dos anos 80), Roberto Medina, conhecido publicitário, percebeu que o único acerto desde então, tinha sido a vinda de Frank Sinatra para um shows antológico no estádio do Maracanã, seu primeiro grande desafio! Mas ele queria mais…

Já sabemos do impacto que essa empreitada causou, tanto que estamos em 2019 falando sobre o feito. Os próprios artistas estrangeiros que vieram na época, disseram que o projeto era “uma loucura”, mas seus empresários toparam, “então vamos ver no que vai dar” (aja desconfiança…)! Só James Taylor, que tinha praticamente abandonado a carreira para se livrar do vício de heroína, foi convencido pessoalmente a participar em seu rancho pelo próprio Medina.

Voltando a polêmica que não é mais um festival de ROCK, vou a escalação do primeiro dia do evento, em 11 de Janeiro de 1985: Ney Matogrosso, Erasmo Carlos, Pepeu Gomes, Baby Consuelo, Whitesnake, Iron Maiden e Queen. Ok, os artistas nacionais, tinham suas raízes conectadas com o rock: Erasmo foi um dos pais do movimento na Jovem Guarda, Ney fez parte do Secos e Molhados (nosso maior representante do “glam rock”) e Pepeu e Baby dos Novos Baianos, primeira banda a flertar rock com ritmos brasileiros de forma incisiva. Suas histórias não os impediu de serem lamentavelmente vaiados, pois as sonoridades atuais passavam longe do estilo. Mas vamos ao segundo dia…

Dia 12 de Janeiro de 1985: Ivan Lins, Elba Ramalho, Gilberto Gil, Al Jarreau, James Taylor e George Benson. Rock??? Muita brasileridade, Jazz, Folk e groove. Tivemos também ao longo do evento Moraes Moreira em abertura para o “principe das trevas”, Ozzy Osbourne, Alceu Valença e novamente Elba, abrindo para o YES, os reis do rock progressivo. Atrações pop também figuraram no casting internacional, como o New Wave das Gogo’s, e do B52’s (um dos grandes expoentes desse estilo), além da bizarra e performática diva alemã Nina Hagen, com suas inserções operísticas. Então não tivemos só ROCK, certo???

Vamos a segunda edição do Festival que acabou ocorrendo em 1991 no estádio do Maracanã (o terreno denominado como “Cidade do Rock” foi embargado pelo Governo do Estado na época): sim, tivemos Guns’n’Roses no auge, Santana, Billy Idol, Judas Priest, Megadeth, a então revelação Faith no More, etc… Masss tivemos como headliners, os brilhantes ícones POP, Prince e George Michael, e como casting, a disco music atualizada do Dee Lite, Run DMC (os pais do Hip-Hop), a “boy band” New Kids on the Block, a musa soul Lisa Stansfield, enfim… Artistas nacionais, entre outros: Moraes e Pepeu tocaram em dupla dessa vez, Elba Ramalho e Alceu Valença novamente, Ed Motta, Roupa Nova, os piadistas do Inimigos do Rei… Só ROCK??? Não!

Mas tivemos duas grandes curiosidades. O maior roqueiro do Brasil na época era o Lobão, estava no auge, e foi massacradamente vaiado por grande parte da audiência, por ter sido escalado em um dia que privilegiava o rock mais pesado. Isso muito se deu pela diversidade da proposta do show: começava com música clássica e teria encerramento da bateria da Mangueira, no meio do seu rock de cores não tão brutais. Não durou duas músicas… Quer dizer, independente da diversidade que o festival demostrava em sua escalação, intolerância seria algo proeminente até os dias de hoje.

O segundo ponto, foi o dia que mais encheu de toda essa edição do festival: 198.000 pessoas! Vamos lá: os brasileiros foram os roqueiros Paulo Ricardo (com repertório TODO do RPM), Nenhum de Nós e Capital Inicial. Yeahhh! Rock’n’rollll!!! Mas vamos aos gringos: Information Society (tecnopop com forte inserção da batida miami bass, a “sonoridade mor” do nosso “funk brazuka”), grupo onde sua popularidade foi maior aqui do em qualquer outra parte do planeta; Debbie Gibson, a “tia” de cantoras teen como Demi Lovato e Ariana Grande; os alucinados do Happy Mondays (rock alternativo psicodélico com influência de eletrônica), o som dessa edição que mais se conectaria com os anos 90 que adentrava. E o tecnopop deveras pomposo vindo da Noruega do A-HA, mais um artista superiormente sucedido comercialmente no Brasil nesse momento, do que no panorama mundial. Inclusive a biografia do vocalista Morten Harket, dispõe de um capítulo emocionado sobre essa noite, tamanha foi a importância para a banda.

Para quem desconhece, vocês podem perceber que além de não existir outros palcos, a diversidade de gênero se fez onipresente nas duas primeiras edições do Rock in Rio. Dez anos depois, em 2001, onde o festival voltou para a Cidade do Rock original, começaram a ampliar os palcos em formato de tendas: teve a Brasil, Raízes (com enfoque na world music) e a Eletrônica, com DJ’s do mundo inteiro. Nossa, se isso não deixou claro que se tratava de um festival de MÚSICA, eu não sei mais o que seria viável para essa percepção…

Após o franquiamento do projeto, com edições em Madrid e Lisboa, voltamos ao Rio de Janeiro a partir de 2011 (novamente 10 anos!!!). Dessa vez já com o advento do Palco Sunset com seus encontros fantásticos (grande parte das vezes de artistas com estilos díspares), Palco Eletrônico e mais uma infinidade de atrações, como na rock street, com vários estandes e palcos menores dando espaço a cena independente. Além de montanha russa, tirolesa, shoppings, restaurantes… As experiências com a marca fora do Brasil foram fundamentais para o Rock in Rio virar a meca do entretenimento, independente do enfoque musical.

E tudo isso que escrevi nesse texto foi apenas para dizer o seguinte para você meu amigo: tenha ORGULHO do Rock in Rio! Foi um grande feito mundial, reconhecido praticamente de forma unânime por toda a indústria musical e do entretenimento. E com todo o desbravamento e pioneirismo de como aconteceu, o ROCK que acentua a marca, é um símbolo da contestação comportamental (perfeitamente resume toda a trajetória) que nunca deveria ter abandonado o gênero. E ao reclamar da Anitta, Ivete Sangalo e afins, lembre-se das escalações que sempre permearam a história do festival.

Por Alessandro Iglesias

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