Victor Biglione faz show gratuito do CD “Mercosul” no Museu da República
Após três décadas da estreia de seu disco solo homônimo, o guitarrista argentino Victor Biglione, radicado no Brasil há mais de quatro décadas, retoma sua veia autoral após 20 anos sem lançar discos de inéditas. A demora fez-se por esperar, pois o resultado surpreende pela gama de sonoridades e complexidades rítmica e melódica que compõem as 16 faixas de “Mercosul” (Independente/distribuição Tratore – preço médio 25 reais), seu 30º disco de carreira, uma ode à riqueza musical do nosso continente, abraçando uma 0202020infinidade de expressões culturais, com referências geográficas, folclóricas e antropológicas, numa incrível viagem com linguagem cinematográfica que só o tarimbado músico e sua bagagem em premiadas trilhas sonoras e na música brasileira e internacional podem se propor a realizar. No próximo dia 03, sábado, às 15h, o guitarrista fará um show gratuito de lançamento do novo disco nos jardins do Museu da República, no Catete, acompanhado pelo percussionista e baterista Roberto “Alemão” Marques e com a participação da coreógrafa e bailarina Vera Alaejandra e da bailarina Maíssa.
O sincretismo sonoro de “Mercosul” já começa na música que abre o CD, “Chico Science – Mangue Beat”, dedicada ao saudoso músico pernambucano, apresentado pessoalmente a Biglione no início dos anos 90 pelo produtor e amigo Geraldo Magalhães. Através de uma surpreendente fusão de sonoridades e ritmos, a faixa anuncia de imediato a amplitude rítmica e harmônica do guitarrista, misturando viola de 12 cordas, guitarra, percussão, base eletrônica e, até, um “desafio” entre bateria e viola. A valsa “Mercosur para siempre”, tipicamente andina e mineira, traz a interpretação emocionante de Zé Renato, num clima virtuosístico, porém acústico e nostálgico.
Em “Monte Aconcagua”, Victor procura transmitir o clima solitário, instigante e desafiador do lugar mais alto da América do Sul empunhando, novamente, seu violão de 12 cordas e sua guitarra, com percussões exóticas e baixo “fretless”, evidenciando seu diálogo com a modernidade. Uma das faixas mais completas sonora e instrumentalmente – gravada em Buenos Aires e finalizada no Brasil – “Punta Del este lounge” se destaca pelo leque infindável de percussões, aliado a sintetizadores, guitarras, vozes, hammonds e vibrafones, que vão dos timbres mais rústicos aos mais modernos e de última geração.
O guitarrista argentino faz sua homenagem ao bairro turístico em que nasceu na música “San Telmo Tango y Bolero”, acrescentando ao tango um lado “boêmio”, criando uma melodia romântica através de violões de 6 e 12 cordas e contrabaixo tocado com arco. A brasilidade e o cosmopolitismo do guitarrista transbordam em “Juruna goes to New York”, aproveitando o clima de selva criado por Claudio Infante e que deságua no mais puro jazz novaiorquino, com a bateria e o baixo abrindo espaço para Biglione ressuscitar timbres do órgão Hammond k9 através de sua guitarra, utilizando softwares e tecnologias.
O sul do Brasil é representado por “Pinheiros do Paraná”, cuja simplicidade melódica traz o guitarrista empunhando a viola caipira para explicitar a diversidade musical brasileira. Já em “ABC Paulista – Parque Industrial”, a guitarra volta com intensidade, numa atmosfera mais urbana, remetendo às grandes fábricas dessa região do estado mais rico do Brasil. Em “Oração na Mangueira para Iemanjá”, o canto do saudoso Antonio Guintela, num forte clima de culto, soma-se à percussão de samba e guitarras no estilo Motown e, até, progressivas, não escondendo a temática sincrética que norteia todo o disco.
Com o violão de nylon e inspirado na beleza do Caribe venezuelano, “Isla Margarita” traz uma melodia plácida e romântica para em “Via Lagos”, em três movimentos (I- Saquarema, II – Cabo Frio, III – Búzios), outra citação geográfica, resvalar num acid jazz com sotaque brasileiro. Em “Desierto Del Atacama”, o tambor andino de Roberto Alemão junta-se ao violão com slide, num ambiente contemplativo em sintonia com o gigante deserto chileno. A trip sonora continua em “Guarani de Amambay”, uma referência aos sofrimentos dos índios Guarani e Gran Chaco (Paraguai), numa balada pesada com lamentos e chicotes guitarrísticos.
Já o Nordeste brasileiro surge em “Movimento do Calango”, uma homenagem ao réptil usado como alimento em momentos áridos do povo nordestino, na qual Biglione, através de conversor, executa um oboé para descrever o rastejo do animal. Através de guitarras psicodélicas e microfonias, junto com percussões e viradas de bateria, “Ayahuasca” sintetiza bem a agonia e alucinação desta substância encontrada na Amazônia, num ambiente sonoro bem característico dos anos 60. O guitarrista fecha o disco com “Adiós Pampanero”, uma despedida nostálgica através do violão de 12 cordas, acordeon e reverbers.