Crítica do filme “Somos tão jovens”

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Cinebiografias são experimentos que já chegam as telas carregadas de uma grande expectativa pela maior parte das pessoas que irão assistir ao filme. Definitivamente não é fácil fazer um registro fictício de uma figura que teve sua vida pública completamente defasada e mais ainda após sua morte, com todos os recursos que possuímos hoje de resgate memorial. E com um ícone pop como Renato Russo, umas das figuras mais lacônicas da música popular brasileira e de história pessoal altamente polemizada, não seria diferente.

O roteirista Marcos Bernestein preferiu se ater a transformação do tímido jovem de óculos “fundo de garrafa”, morador do Distrito Federal, precocemente professor de inglês, ao Renato Russo fundador do Aborto Elétrico, primeira banda punk da capital federal. E todo o percalço até chegar a liderança da Legião Urbana, com sua personalidade forte, verve poética louvável e performances eternizadamente arrebatadoras. Para isso, foi buscar adaptação no excelente registro biográfico “O Filho da Revolução”, de Carlos Marcelo, que se atém exatamente à esse período inicial de construção da sua persona.

Mas deixando expectativas a parte e tendo além do livro, todas as informações que já se disponibilizaram sobre esse período na vida de Renato, o filme ficou devendo e muito… Três coisas foram fundamentais na vida do cantor para sua construção ideológica, intelectual e musical. Primeiro foi a doença óssea (epifisiólise) que o fez ficar quase seis meses prostrado a uma cama. Durante esse período, teve acesso a muito rock’n’roll, e filósofos que iriam com certeza o influenciar na forma de compor, como o inglês Bertrand Russel e o francês Jean-Jacques Rousseau, os homenageados na hora de formular seu codinome artístico RUSSO. O filme passa rapidamente por esse episódio, não conseguimos ter a noção do quanto a doença influenciou no futuro perfil de Renato, e é sabido do impacto nesse período.

Segundo, com sua descoberta do punk-rock londrino, vieram vários amigos (a chamada Turma da Colina) que numa bucólica Brasília em plena ditadura militar, iriam escolher o movimento punk e sucessivamente a formação de uma banda, como um estilo de vida a se tomar. Apesar das roupas rasgadas, do consumo de drogas e da rebeldia inexorável, eram jovens com um acesso a informação que poucos tinham o privilégio em ter naquela época. Filhos de diplomatas, militares de alta patente e membros de alto escalão do funcionalismo público, faziam cursos fora do país, e traziam em primeira mão as novidades musicais e comportamentais do que estava acontecendo ao redor do mundo. Possuidores de extrema bagagem intelectual, como o destino depois fez questão de mostrar através das bandas que integraram com sucesso posteriormente. Isso tudo foi muito bem retratado no documentário “Rock Brasília”, de Vladimir Carvalho. Mas num ritmo que lembra muito o da telenovela de triste lembrança “Malhação”, essa relação social se dá de uma forma totalmente desprendida de um maior aprofundamento, o que é uma pena. Aliás, um dos maiores conflitos do protagonista é com uma personagem feminina que na verdade não existiu, ela é uma espécie de colagem de várias amigas que Renato teve nesta época. Opção completamente equivocada, lamentável.

Terceiro, seus dilemas internos diversos, principalmente sua relação com a descoberta gradativa da homossexualidade. Neste caso, a leveza e o senso de humor neste processo até que se mostrou acertado, mas a superficialidade (mais uma vez) na forma como se relacionava com sua família, fez a coisa toda se tornar didática e caricata demais.

Infelizmente o roteiro dá saltos e muita coisa deliciosa nesse processo, se perde. Informações precisas contadas com pressa geralmente não proporcionam resultados bem avaliados, já vimos isso em outras experiências do gênero. Mas os acertos salvam o filme de um desastre maior. A reconstituição da capital federal naquele período (1978 – 1982) é simplesmente perfeita. Thiago Mendonça esta soberbo na sua construção como Renato Russo, chega a ser assombroso. Dá gosto de ver um trabalho com essa imersão tão precisa. Em ritmo de vídeo-clipe, os números musicais se mostram extremamente bem sucedidos, principalmente pela escolha em se captar o som real das apresentações. Mérito total da direção, com cenas que literalmente nos teletransportam para dentro da atmosfera daqueles shows de caráter underground. A crueza sonora dá mais veracidade a história, já que sabemos que eram jovens que estavam aprendendo a tocar naquele período. A trilha incidental organizada por Carlos Trilha (ex produtor da Legião) é belíssima, um deleite! E mesmo sem “pegar” da forma como deveria, a história de Renato Russo e sua “tchurma”, acaba rendendo ótimos momentos.

A dúvida que nos paira, é até que ponto expectadores que não sejam fãs da Legião Urbana ou de cultura musical de uma forma geral, se identificarão com o filme apresentado nesse formato e terão acesso a sua particular descoberta do mito com o impacto que se imaginaria. O final é completamente desprovido de emoção, apesar de ser com o próprio homenageado em cena. Como mesmo afirmou o guitarrista da Legião, Dado Villa-Lobos, é um filme para “menores de 18 anos”. Renato Russo merecia mais. E que venha a história de João de Santo Cristo, protagonista do célebre folk-rock de extensa narrativa “Faroeste Cabloco”, uma das canções de Renato mais repletas de ousadia. Que esse novo filme venha absorvido do caráter contestatório que permeou personalidade e carreira do ídolo de várias gerações, Renato Manfredini Júnior. Porque com “Somos tão Jovens”, isso infelizmente não rolou…

 Por Alessandro Iglesias

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