The Who escreve a história no Rock in Rio e Guns N’ Roses faz show de três horas

O sexto dia do Rock in Rio foi histórico. Pela primeira vez na América do Sul em turnê, o The Who, após 53 anos, fez sua estreia em solo carioca. Com uma apresentação antológica, escreveu uma das mais lindas histórias do Rock in Rio e entrou para o livro dos grandes shows do festival, comparável ao que o Queen fez em 1985 e o próprio Guns N’ Roses em 1991.

Atração mais esperada, os Guns fizeram o show mais longo da História do evento, com exatamente três horas e vinte e sete minutos. Soltaram todos os hits que os consagraram como uma das maiores bandas de todos os tempos. Mas a oscilação vocal de Axl Rose quase pôs tudo a perder. Slash (e Duff McKagan), retornando após uma confusa saída há 23 anos, teve um desempenho de gala e salvou o amigo.

No Palco Sunset, a música negra dominou e mostrou o quanto é diversificada. Começou com o Axé do Quabales e Margareth Menezes, passou pelo Cidade Negra cantando Gilberto Gil, os colombianos do Bomba Stereo e brasileira Karol Conká e fechou com o ícone Cee Lo Green com a talentosa Iza. Uma overdose de ritmo.

COMO FORAM OS SHOWS, UM A UM (Veja após a matéria, a resenha sobre cada dia do Rock in Rio):

PALCO SUNSET

Abrindo o Sunset, Margareth Menezes, Quabales e Di Ferrero subiram ao palco e fizeram uma grande homenagem à música brasileira. Com repertório levando hits como “Faraó” e “Tieta”, a apresentação contou com ar de carnaval da Bahia. O Quabales foi criado em 2012 para oferecer oficinas de música e expressão corporal para jovens da periferia de Salvador. O trabalho é tocado por Marivaldo dos Santos, baiano que integra o STOMP. Di Ferrero também subiu e levou sucessos do NXZero, “Só Rezo” e “Cedo ou Tarde”.

Depois foi a vez da sonoridade do reggae do Cidade Negra numa justa homenagem ao Gilberto Gil e sua MPB. O Digitaldubs e o Maestro Spok também participaram da apresentação que contou com clássicos do músico baiano. O show começou com “Não Chore Mais” e “Esotérico”. Depois Spok subiu e levou “Nos Barracos” e “Tempo Rei”. Em seguida foi a vez do Digitaldubs puxar “Refavela” e “Andar com Fé”. A ótima participação popular e os arranjos muito característicos da turma do Toni Garrido provaram mais uma vez que o ritmo jamaicano sempre funciona com eles.

Vindo da Colômbia, o duo Bomba Stereo convidou Karol Conká. Eles levaram para o festival o recém lançado “Ayo”. “Internacionales”, um dos singles, esteve presente. A união do hip-hop e rap brasileiro com a cumbia e o eletrônico dos colombianos começou com “Tombei” e “É o Poder” da Karol. Apesar da energia e muita vibração do concerto, o show pareceu um pouco deslocado num dia em que a cena hard rock é a principal corrente.

Porém, levantaram o público do Sunset principalmente pelo estilo dançante e divertido. Conká, com sua sempre presente ideologia de protesto, novamente a fez. Desta vez em favor da diversidade.

Cee Lo Green dispensa apresentações quando falamos de funk, soul e disco music. Com todo seu swing e balanço, o americano transformou o palco num enorme danceteria e baile. Sua excepcional banda, formada totalmente por mulheres, dava mais ginga ainda ao show que tinha tudo o que a música negra dos EUA faz melhor. Começou com “Work”, “It’s Just Begun” e “Closet Freak”.

A participação popular mostrava que o concerto não estava ali para brincar. O cantor não estava sozinho, uma das mais talentosas vozes atuais do Brasil e expoente da sua geração, a carioca Iza o acompanhava. Nascida em Olaria, a jovem não decepcionou e mostrou o porquê do convite. No mesmo estilo da Black Music, a cantora arrancou muitos aplausos. Este foi mais um daqueles shows que não tem como dar errado, é sempre carta certa e que agrada gregos e troianos.

PALCO MUNDO

Uma das maiores bandas da História do cenário nacional, os Titãs fizeram um show excepcional na abertura do principal palco. E começaram com a introdução de “O Guarani”, ópera de Carlos Gomes e trilha da “A Voz do Brasil”, programa diário do governo. Um protesto indireto. Sem perder tempo, largaram logo diversos hits como “Lugar Nenhum”, “Aluga-se”, do Raul Seixas, “Diversão” e até “Au Au”. O público rapidamente reagiu ao começo avassalador.

Sem tempo para respirar, atacaram com “Televisão”, “Sonífera Ilha” e “Cabeça Dinossauro”. Enfim, com a plateia totalmente controlada, fizeram o lançamento das novas canções do disco a ser lançado em 2018: “Doze Flores Amarelas”, “Me Estuprem” e “A Festa”. Depois voltaram para as clássicas com “Homem Primata”, fazendo explodir a Cidade do Rock de novo.

A partir daí não teve mais descanso. Aproveitando a onda de protesto que tomou conta desta edição, os Titãs, grandes expoentes da cena dos anos 80 com músicas carregadas de teor político em flerte com punk e hard rock, jogaram todas as suas cartas nessa linha. Foram só sucessos como “Desordem”, “Epitáfio”, “Flores”, “Polícia” e “Bichos”. Para fechar, nada mais emblemático que “Vossa Excelência”. Um show épico. O melhor nacional no Palco Mundo em 2017.

A ingrata missão de preparar terreno para dois lendários grupos foi do Incubus. A banda norte-americana de rock alternativo apresentou seu estilo para muitos fãs que os aguardavam. Passeando entre grunge, post-gruge e o nu metal, o quinteto formado em 1991 fez sua estréia no Rock in Rio com um repertório clássico e três faixas do disco novo.

Sempre muito precisos e seguros nas execuções ao vivo, não faltaram hits como “Drive” e “Wish You Were Here”. O vocalista Brandon Boyd tratou de conversar pouco e cantar mais, haja vista que tinha nas mãos um público desinteressado pelo som da banda, algo que vem acontecendo nesta edição e é preciso mudar para a próxima. Com os headliners de peso e uma costura não tão bem feita dos shows secundários, os grupos precisam fazer mais do que o especial para agradá-los.

Mas o Incubus fez uma das grandes atuações do Palco Mundo. E era possível vê-la em “Anna Molly” e “Circles”, por exemplo. E não faltou nem mesmo o seu grande sucesso “Wish You Were Here”.

Há vezes em que presenciamos a História sendo feita diante dos nossos olhos e simplesmente não esperamos que isso aconteça. Foi o que aconteceu quando o The Who subiu ao palco. Com 53 anos de carreira, foi a primeira vez que a revolucionária banda britânica pisou em solo sulamericano.

Da formação original, apenas Roger Daltrey e Pete Townshend. Mesmo assim, o Who é uma Ferrari dos anos 60 que continua correndo à frente de todas as mais modernas máquinas criadas pela tecnologia do Século XXI. Na bateria, Zak Starkey, filho do ex-Beatle Ringo Star e afilhado de Keith Moon, morto em 1978 e baterista original.

Em “My Generation”, Roger canta que “Quero morrer antes de ficar velho”. Os britânicos parecem realmente que encarnam esses versos com tanta força aos 73 anos de Daltrey e 72 de Pete. A cada giro com o microfone e o malabarismo que faz com ele, o vocalista parece ser parte do “moinho de vento” que o seu guitarrista faz, um traço marcante que alçou o The Who ao estrelato.

Os olhos da plateia penetravam sobre os músicos, hipnotizados, talvez encantados. Ou seriam chocados? Isso nos levar a refletir o quão chocante deve ter sido para aquela geração do anos 60/70. Cegos pelo som dos Beatles e a imposição dos Rolling Stones, viam o The Who surgir com esses ataques furiosos da bateria, os riffs rasgando as músicas e a todo momento as canções mudando de intensidade sem parar… Ouvir sua obra é como contemplar os últimos 40 de rock n’ roll. The Who não é uma banda, é uma lenda. E todos sabem disso.

O show? É impossível descrever a História quando, diante do fato imediato, você a presencia. Começando com “I Can’t Explain”, seu primeiro grande lançamento, vieram todos os maiores sucessos mexeram com o rock desde então: “The Kids Are Alright”, “I Can See For Miles”, “My Generation”, “Love Reign O’ Me”, “Pinball Wizard”, “See Me Feel Me” e os dois maiores momentos desta noite, 100 mil pessoas cantando “Behind Blue Eyes” e delirando com “Baba O’Riley”. “Won’t Get Fooled Again” encerrou.

Não tinham palcos digitais, fogos de artifícios, roupas coloridas ou com marca… era tudo de verdade, feito por eles. Senhoras e senhores, se hoje vivemos o Rock in Rio, foi porque o The Who um dia ajudou a semear essa semente do rock.

Inacreditavelmente pontual, à 0h46 os Guns N’ Roses fizeram a Cidade do Rock entrar em comoção ao iniciarem com “It’s so easy”, um dos muitos hits do épico disco “Appetitte for Destruction”, de 1987, considerado o 3ª melhor de estreia de uma banda. Mesmo com Axl Rose derrapando feio com seus vocais que antes eram poderosos nos agudos e hoje são apenas sombra, o lendário guitarrista Slash, agora de volta, parece ser de outro planeta com o instrumento nas mãos.

Slash, aliás, é um caso à parte. Se em 2011 o show pecou por diversos problemas, como chuva e atraso, desta vez o guitarrista tem muito do mérito de ter tornado outra apresentação vexatória do Axl em um concerto onde ele parece dizer: “Eu sou o maior de todos os tempos”. Talvez nem seja, mas bate à porta da sala onde os maiores se reúnem à sua espera um dia. Duff McKagan homenageou o Prince, falecido em 2016, em seu baixo. Nele havia o símbolo do Príncipe de Minneapolis acima das cordas.

No auge da carreira, os Roses tinham sérios problemas de relacionamento, mas no palco eram brilhantes ao ponte de haver uma comunhão quase carnal entre as canções. Só que a vaidade e o ego, por muitas vezes, jogaram os músicos uns contra os outros. Nesta noite aparentou justamente o inverso. Por vezes soa como se a banda ainda não tivesse aquela pegada harmônica de antigamente quando o assunto é música, mas agora há um equilíbrio interessante sobre respeito do espaço de cada um. Axl, Slash e Duff correm pelo palco, algo que virou marca deles, mas agora sempre respeitando o momento individual.

Mas quando falamos de Guns, não faltam hits. É uma coleção quase infinita. Passaram de três horas de show, como adiantamos aqui que aconteceria. O repertório desta noite foi gigantesco, para fã algum botar defeito. Foram 27 músicas ao todo, passeando por todos os álbuns. Inclusive “Chinese Democracy”, lançado em 2008 e sem a formação atual, como a que dá nome ao trabalho e “Better”. Foi a primeira vez que Slash e Duff tocaram as canções deste disco no Rock in Rio.

“Used to love her”, “Rocket Queen”, “Welcome to the jungle”, “You could be mine”, “Coma”, “Civil War”, “Live and let die” e o mega sucesso “Sweet Child O’Mine”. Apesar disso, a plateia apenas à frente do palco reagia com grande entusiasmo. Os mais afastados apenas acompanhavam. Isso aconteceu em todos os dias e é algo que o Roberto Medina precisará pensar sobre. O festival está se tornando gélido e sem vida por causa de um público cada vez menos participante. Teve uma homenagem a Chris Cornell, interpretando “Black hole sun”, do Soundgarden, banda que lançou Cornell. O cantor morreu em maio.

No final, Axl deixou as obras que mais despertam o interesse para cantar, como “Patience”, “Don’t Cry” e o sempre gran finale “Paradise City”. Se não foi histórico como em 1991, desta vez passou muito longe dos vexames de 2001 e 2011, apagando as memórias ruins. E o Slash tem muita participação nisso. Fim de três horas e vinte e sete minutos de show. O maior da História do Rock in Rio.

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Fotos: Rock in Rio

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