30 anos de “Na calada da noite”, a reconsagração do BARÃO VERMELHO

O Barão Vermelho literalmente “ralou muito” até chegar ao sucesso de “Na calada da noite”. Depois de dois ótimos discos de estreia, que apesar de chamar a atenção de público e crítica, tiveram resultado moderado, finalmente chegaram ao estrelato com o terceiro álbum denominado “Maior Abandonado”. Explosão em nível nacional, com vários sucessos de grande execução radiofônica, disco de ouro, o destoamento do cenário roqueiro vigente, com a grande influência de Rolling Stones (New-Wave e o Pós Punk inglês predominavam na maioria das bandas)… Enfim, o Barão foi alçado a condição de uma das maiores bandas do Brasil!

A consagração veio com os shows na primeira edição histórica do Rock in Rio, em 1985, onde as apresentações do jovem bardo carioca, foram tão comentadas quanto as dos grandes nomes internacionais. Tudo parecia ir maravilhosamente bem, quando meses depois Cazuza, o vocalista de excepcional carisma e letras que saltavam aos olhos pelo aprofundamento (já tinha sido gravado por Ney Matogrosso e Caetano Veloso), anuncia seu deligamento da banda para seguir carreira solo…

O baque foi grande, e o grupo foi rapidamente do céu ao inferno! Recomeçar era a palavra de ordem, mas não foi nada fácil reconquistar a credibilidade… Optaram por seguir em quarteto, com o guitarrista Roberto Frejat sendo alçado a condição de vocalista para “segurar as pontas”. “Declare Guerra” foi um bom registro desse processo de retomada (a faixa-título virou clássico da banda), mas com resultados muito tímidos. Foram para o tudo ou nada, convocando o “midas” Liminha (responsável pelos maiores sucessos fonográficos da década) para produzir “Rock’n Geral”, juntamente com o “padrinho” Ezequiel Neves (que capitaneou os álbuns anteriores, além de ter sido o descobridor da banda). E o resultado foi o maior fracasso comercial e de mídia da história do grupo. Só costuma ser lembrado por “Quem me olha só”, que apesar de não ter se tornado sucesso, é um dos blues mais pungentes e belo em nossa língua nativa…

Contracapa de “Na calada da noite”

Para piorar, o tecladista Maurício Barros pula fora para fundar o grupo Buana 4, e o Barão Vermelho é reduzido a um trio. Frejat com seus remanescentes, o baixista e o baterista Gutto Goffi, juntam os trapinhos e fazem um discaço esbanjando peso, com toda a fúria que um power trio pode regenerar: “Carnaval”! Na raça, juntamente com o lançamento seguinte “Barão ao Vivo”, fruto dos incendiários shows dessa turnê, o Barão é novamente colocado em evidência, com um novo e numeroso séquito de fãs sendo “abduzido”. Convite para mais um festival internacional, o Hollywwod Rock, edição de 1990 (a segunda), com uma grande apresentação (para variar, era de praxe!) e cada vez mais a comparação com a fase de Cazuza (que fazia enorme sucesso solo, até descobrir ser portador de HIV) vem sendo deixada de lado…

Quando tudo parecia mais tranquilo para o processo de gravação do oitavo álbum do grupo, mais uma baixa inesperada: reclamando das ditas “diferenças criativas” sai da banda. A solução foi rápida e providencial: Dadi, um dos maiores baixistas do país, ex Novos Baianos e A Cor do Som (e ironicamente, um dos maiores ídolos de ) topa o desafio, juntamente com a efetivação de Fernando Magalhães na guitarra e do percussionista Peninha, que já vinham acompanhando a banda como músicos convidados. Sim, o Barão volta a ser um QUINTETO!

O disco foi o maior sucesso dos “barões” desde a fase Cazuza, recolocando o grupo novamente no primeiro escalão do rock’n’roll nacional. A turnê foi arrebatadora, todos estavam afiadíssimos! O nome da banda era bradado várias vezes antes e durante as apresentações (até então, só a Legião Urbana tinha esse privilégio), pelas sempre “inflamadas” audiências. O set-list privilegiava TODAS AS MÚSICAS do novo disco em questão (quem faria isso atualmente?), havia esse cuidado em mostrar ao público as mudanças sonoras que foram acentuadas. Com relação a isso, afirmo que o uso incisivo de VIOLÕES é a mais perceptível.

Formação de “Na calada da noite”

Muitos achavam que a veia “MPBzistica” de Dadi teria contribuído para tal feito, mas Guto Goffi afirmou que “não queríamos nos consolidar como banda de Hard Rock, somos mais flexíveis que isso”… O disco figura entre os grandes clássicos da banda, com um repertório irrepreensível em sua qualidade. Três HITS que tocaram incessantemente, um título que suscitava “mistério” e uma belíssima capa (foto estilizada de um beco com ares underground). O Barão voltando ao céu novamente! Vamos as faixas.

1 – “Política Voz”

“Eu não sou o mudo balbuciando querendo falar, eu sou a voz da voz do outro, que há dentro de mim, guardada falante querendo arrasar, com teu castelo de areia que é só soprar, soprarrrr”… Quando veremos novamente uma letra com esses arroubos poéticos (contribuição do recentemente falecido poeta Jorge Salomão) em distribuição na mídia com grande alcance popular no país? Inevitável não ser nostálgico. De cara, o riff construído com violões (além do solo) e deixando a guitarra em segundo plano, chama a atenção, apesar de não tirar a “virulência” da pegada roqueira na canção. A percussão de Peninha desbunda criatividade, trazendo vários elementos rítmicos que fazem desta, uma das melhores músicas da carreira da banda. A letra soa deveras atual, pois em metáforas das mais diversas, culmina com a frase “explodir toda esse espécie de veneno chamado caretice”. Clássico!

2 – “O Invisível”

Aqui as guitarras voltam a ranger, num “rockão” poderoso, que funcionava que era uma belezaaaa ao vivo! Mas o que acaba chamando bastante a atenção, é um momento de lirismo surpreendente, onde um solo de violão flamenco surge logo em seguida ao de guitarra, dando uma belíssima quebrada na vibe pesada instaurada. A letra suscita de forma abstrata sobre uma relação a dois que busca a redenção, é uma espécie de mensagem de auto-ajuda para os protagonistas em questão. Jorge Salomão atacando novamente!

3 – “Na Calada da Noite”

Frejat nunca escondeu sua admiração publicamente por Luis Melodia. Reza a lenda que o “poeta do Estácio” rasgou umas 50 letras antes de presentear o Barão com a que viria a ser o título do álbum. A sonoridade surpreende mais uma vez com um blues “embolerado” (o riff de violão com slide é altamente sedutor), e grande influência de latinidade. A evolução da banda é notória, um belíssimo arranjo instrumental, com a voz de Frejat chegando no seu ápice! O “pérola negra” traz uma mensagem poética do submundo da cidade do Rio de Janeiro, sem deixar de lado a crítica social (de forma sutil). A música é simplesmente maravilhosa!

4 – “Beijos de Arame Farpado”

Aqui a coisa literalmente pega fogo, com guitarra, percussões e órgão (contribuição do ex-integrante Maurício Barros) numa simbiose incrível, que faria Santana vibrar de orgulho! Sim, o lendário guitarrista mexicano sempre foi uma influência para a banda, mas com o destaque maior dado a Peninha, isso ficou ainda mais incisivo. Riff e solo matadores! Impossível ficar parado durante a audição, com tantos “arroubos latinos”. O baixo de Dadi tem um arranjo hipnótico, e fica “grudado” na cabeça. A letra mantém o padrão poético de excelência do disco (grande sacada de Ezequiel Neves), para descrever o declínio de um relacionamento.

5 – “Sonhos pra voar”

Voltam os violões em destaque, nessa bela ode sobre o papel da humanidade. Grande letra de Guto Goffi, que a partir daí passou a escrever mais para a banda. Cazuza, já em estado terminal, fez várias visitas aos amigos no estúdio durante a gravação. E o incentivo dele para Guto, partiu dessa letra (e isso não é pouca coisa!). O tom agridoce da introdução, explode numa passagem épica, que com a curta duração da faixa, torna a experiência mais impactante. Lindo!

6 – “Seco”

Bela vinheta concebida em tom intimista, voz e violão, fecha o Lado A com rara delicadeza…

7 – “Longe demais de Tudo”

Outro grande HIT do disco, com o riff irresistível de violão (forte acento “pop’n’black”) fazendo dessa a música mais “FELIZ” de “Na calada da noite”. É impossível não se contagiar com esse arrasa quarteirão! Grande trabalho do piano de Maurício Barros (que também fez o solo). As quebras de dinâmica são belíssimas, um show de melodias acústicas e corais singelos! E a letra MARAVILHOSA, esperançosa até a medula (novamente Guto Goffi), entrou nas rodas de violão definitivamente, nos saraus e luaus da vida na época. Para fins de curiosidade, Dadi nos shows fazia um solo de baixo memorável durante a sua execução. Uma das canções mais marcantes da trajetória do Barão Vermelho!

8 – “A voz da chuva”

Esse “country-rock” desce bastante agradável ao ouvinte, ao descrever dois enamorados curtindo um temporal de emoções, tendo a água caindo do céu como aliada, numa bela metáfora. Destaque para o solo poderoso de Frejat. Apesar de não ter o brilho do repertório anterior, é uma boa canção, e crescia bastante quando tocada ao vivo!

9 – “Tua Canção”

Linda balada de estrutura acústica, letra de Frejat para sua companheira de vida. O steel guitar esbanja “feeling”, tornando a estrutura melódica ainda mais climática. Chegou a tocar bem na época, mas não se consolidou como sucesso, uma PENA, porque é um das melhores baladas já feitas pela banda.

10 “Invejo os Bichos”

Retomando o espírito de “Carnaval”, é a maior “pauleira” do disco, com Fernando Magalhães “soltando o braço”, neste rock com a cara do Barão Vermelho! A letra curiosa de Peninha, descrevia com fúria (literalmente NA CALADA DA NOITE) a desvantagem que teríamos com relação a vida dos animais, partindo da observação de um “bicho racional”.

11 – “O Poeta está Vivo”

O maior HIT do disco e um dos “hinos” da carreira do grupo, essa canção de arranjo primoroso tem muitas curiosidades… Logo após o lançamento do álbum, Cazuza perderia a batalha contra a AIDS. E a música foi imediatamente associada como uma homenagem a ele! Na verdade, a letra da ex vocalista do grupo Sempre Livre, Dulce Quental, é uma colagem de imagens bastante abstrata, e se não fosse o refrão contendo o título em questão, possivelmente não teria sido digerida dessa forma. Causou grande comoção no público (as pessoas cantavam chorando nos shows), bastante mexido pela prematura partida do poeta. O solo de guitarra de Fernando Magalhães é soberbo! “Na calada da noite” é fechado como se propôs, mostrar ao público que “somos rock’n’roll na veia sim, mas temos muita sensibilidade”!

Além de ser um dos grandes momentos na trajetória do Barão Vermelho, é incrível como o disco é atemporal em sua produção (1990 não foi “ontem”). Qualquer um que se aventure a audição atualmente, pode digerir como se fosse um lançamento, desce que é uma beleza! A banda soube lidar com adversidades que fariam muitos sucumbirem no meio da estrada, como depois do Rock in Rio, voltar a tocar em lugares pequenos, sem estrutura e com pouco público… Sem contar a baixa vertiginosa na visibilidade. A raça ao acreditar que poderiam se reinventar e com muita honestidade chegar ao topo novamente, aconteceu com extrema justiça! A partir desse álbum, a banda (com a dita “frase Frejat”) se transformaria numa das maiores instituições do rock nacional.

Uma pequena observação: foi o único disco com Dadi em sua formação. Logo após a turnê de 10 anos de fundação do grupo (emendada praticamente em seguida da do “Na calada…”), recebeu o convite de Caetano Veloso para uma turnê na Europa. E ao comunicar a banda, nem houve briga, Frejat se antecipou: “é o que você sempre sonhou, né”? Na verdade Dadi gostou MUITO da experiência com o grupo, vide o show antológico do Hollywood Rock de 1992 (só para citar um exemplo), onde abrindo para Extreme e Skid Row, colocou-se os dois aspirantes do Hard Rock americano no bolso, e a produção do festival foi bastante criticada em não ter escalado o Barão para fechar a noite, tamanha a disparidade apresentada! Quer reconhecimento artístico maior do que esse? Mas definitivamente não era um cara de banda em caráter exclusivo, precisava estar em constante movimento. Seguiu seu caminho “sem gramas, sem dramas” e foi substituído por Rodrigo Santos, que tocava com Lobão. O resto é história…

Por Alessandro Iglesias

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