“Black Sabbath”, 50 anos do MARCO ZERO do Heavy-Metal

No dia 13 de Fevereiro de 1970 (em uma sexta-feira 13), “as portas do inferno se abriram”, “o apocalipse se instaurou musicalmente” e muito antes de Mestre Yoda eternizar essa frase para o cinema, fomos todos “abduzidos” para “o lado negro da força”, com o lançamento do debut de estreia dos ingleses do Black Sabbath! Fechando a forceps o lema “flower & power” da geração anterior, é considerado o marco zero da sonoridade, estética e temática, do que viria a ser conhecido pelo rótulo de HEAVY-METAL. Vamos com calma para esclarecer isso…

Já tínhamos exemplos anteriores do rock estar pegando “mais pesado”, como a agressividade do hino “Helter Skelter” dos Beatles, a afinação mais baixa de Pete Towshend em várias pérolas da ópera-rock “Tommy” do The Who, a levada mais rápida da banda Blue Cheer, com suas variações rítmicas distorcidas, e riffs densos como o de “Doctor Please“, e principalmente o primeiro álbum do Led Zeppelin em 1969, com pérolas do blues sendo levados a potência máxima, em possibilidades que nunca haviam sido vislumbradas antes.

CAPA E CONTRACAPA ORIGINAL

Vamos retornar ao ano de 1968, na cidade operária de Birmingham, região considerada “decadente” no sentido moral e social na Inglaterra, que ainda convivia com as consequências dos bombardeios sofridos durante a Segunda Guerra Mundial. Foi ali que o guitarrista Tonny Iommy e o baterista Bill Ward, após infrutíferas experiências anteriores (o projeto Mythology foi o mais duradouro), fecharam o núcleo da banda EARTH (ex The Polka Tulk Blues Band) através de um anúncio, já com a adição de Ozzy Osbourne nos vocais e do baixista Terry “Geezer” Butler (juntos integraram o Rare Breed). A intenção era tocar blues, todos eram apaixonados pelo gênero surgido as margens do rio Mississipi. Mas em um formato bemmmm particular…

Em dezembro do mesmo ano, Tonny Iommy vislumbrou uma nova possibilidade indo tocar com o Jethro Tull, e o EARTH teve que dar um tempinho… A empreitada com o grupo de Art-Rock (já com tendências progressivas) e liderado pelo vocalista e flautista Ian Anderson, não deu muito certo para Iommy, e os trabalhos com o EARTH foram retomados. Algumas apresentações depois, ficou sabido que já existia uma outra banda no circuito londrino com esse nome. A sugestão veio de um filme de terror (“I Tre Volti Della Paura”, do renomado cineasta italiano Mario Bava, de 1963) estrelado pela lenda Boris Karloff: Black Sabbath (título no qual foi lançado na Inglaterra)! Observando a fila imensa para assistir em um cinema algo que nem lançamento era, Geezer percebeu o quão interessante era pessoas pagando para sentir MEDO. Ao adotar o novo nome, a banda decidiu levar essa mesma lógica para a música e performance, fazendo canções com climas assustadores, e incorporando o negro e símbolos do ocultismo em seu visual.

Em 30 de agosto de 1969, aconteceu a primeira apresentação da banda sob essa nova alcunha, e o impacto foi tão grande, que aproximadamente um mês depois, já se acenava um contrato com a gravadora Vertigo. O disco inteiro foi gravado de uma “tacada só” (aproximadamente 12h, praticamente ao vivo) no dia 30 de Outubro, sendo reservado o dia seguinte para a mixagem e introdução de alguns elementos. A “sujeira” e urgência oriundos do prazo apertado, foram fundamentais para a consolidação da sonoridade que vislumbramos no álbum.

A capa é uma das mais emblemáticas da história! É o retrato de um moinho de água,  Mapledurham, situado no rio Tâmisa, em Oxfordshire. Uma modelo chamada Louisa Livingstone, foi recrutada por simplesmente estar sempre pela locação (mais uma lenda que cerca esse trabalho), e posa de forma assustadora, com um figurino que remetia a uma bruxa, em frente ao moinho. MACABRO! O som??? Simplesmente não parecia com NADA! Por mais que Iommy tenha citado todas as influências que destaco lá no início do texto (principalmente o Led Zeppelin), ninguém nunca tinha abordado temas tão explicitamente ligados ao oculto e o lado negativo do cotidiano, e principalmente tendo extraído uma musicalidade tão “soturna”, arrastada com transições inesperadamente rápidas e ainda mais barulhenta, sob a alcunha de rock’n’roll

Podemos creditar em grande parte, a forma de tocar de Tonny Iommy. Anos atrás, havia sofrido um acidente em um torno mecânico numa fábrica (ocupação quase instantânea para os jovens pobres de Birmingham), que o fez perder a ponta de dois dedos. Pensou em parar de tocar e se deprimiu, mas com o incentivo do seu chefe, encontrou duas soluções: próteses (similar a um “dedal” de costura) na ponta desses dedos, e um disco do jazzista Django Reinhardt, que tocava violão com apenas dois dedos, pelas graves queimaduras nas mãos que lhe deixaram sequelas.

O resultado foi a diminuição na tensão das cordas, diminuindo a força na hora de tocar, somado ao atrito que as próprias próteses ocasionavam, e obviamente uma dissonância mais lenta para os acordes, que acabavam pendendo para uma “simplicidade”. Fora o uso de “trítono”! Que é um intervalo entre alturas de duas notas musicais que possua exatamente três tons inteiros, o que torna a dissonância inevitável. Coincidência ou não, esse “acorde/intervalo” na Idade Média foi proibido por ser considerado “O SOM DO DIABO” (“Diabolus in Música“), já que sua “sinistreza” poderia atrapalhar os cultos nas igrejas, e dar margem para que o “sombrio” tivesse acesso ao local IMEDIATAMENTE. Curioso não???

Os críticos, como já era de praxe na época, odiaram o disco de forma veemente! O público como sempre não concordou, com “Black Sabbath” chegando ao oitavo lugar da parada britânica e ao 23ª posto na parada da Billboard, o que foi um GRANDE FEITO, pela concorrência que se tinha na época, pesadíssima! CLARO que não foi apenas pela guitarra de Tonny que o disco se tornou revolucionário em sua proposta, foi uma das maiores químicas entre integrantes de uma banda já atestadas desde então, para esse resultado final. Mas falarei disso ao comentar faixa a faixa, ok?

1 – “Black Sabbath” – Introdução com temporal, muitas trovoadas, um sino de igreja sendo batido progressivamente, e o riff macabro entra de forma abrupta, “arrombando a porta”, com a banda acompanhando brilhantemente na pegada sombria e lúgubre, é simplesmente ASSUSTADOR!!! Essa sensação me permeia TODA vez que ouço essa faixa. A dinâmica quebra para a letra ser declamada por um Ozzy Osbourne, que se não chama a atenção por uma afinação perfeita, consegue criar linhas vocais simples e desesperadas de forma incrível! A letra escrita após uma experiência sobrenatural de Butler, narra o desesperado encontro com o próprio Satanás, onde se brada com clemência pela presença de Deus no retorno do riff inicial. Gritos terroríficos implorando que sua alma seja poupada (todos no improviso) fazendo a música crescer novamente de forma devastadora, para depois voltar a cadência reduzida, descrevendo o encontro macabro que continua, até leva-lo de vez para as profundezas do inferno… É simplesmente uma OBRA-PRIMA, um divisor de águas na história DA MÚSICA, não apenas do rock!

“BLACK SABBATH”

2 – “The Wizard” – A introdução com uma gaita “bluezera” de Ozzy, que permeia-se como o principal elemento da música, soa obscura enquanto sonoridade. Esse é mais um dos grandes clássicos da banda! A “cozinha” dá um show a parte: Bill Ward coloca toda a sua veia jazzística para fora e a “quebradeira” de forma potentíssima COME SOLTA! E Geezer, além das excepcionais linhas de contrabaixo, é muito feliz na letra que descreve uma criatura mística, que vai combater demônios e transformar “as lágrimas em alegria”. Anos mais tarde ele assumiu que a inspiração foi o Mago Gandalf, criatura criada por J. R. R. Tolkien, em “O Senhor dos Anéis”. Mais uma bela pegada ralentada e sinistra da guitarra de Iommy! O resultado é MARAVILHOSO!

“THE WIZARD”

3 – “Behind the Wall of Sleep” – A letra inspirada em um conto do mestre do terror HP Lovecraft, traz mais uma premissa para lá de mórbida: trata de sonhos premonitórios que nos indicam como possivelmente iremos morrer. Para variar, mais um riff poderoso, com o incansável baixo de Geezer preenchendo todos os “vazios” e dialogando lindamente com a guitarra. Um dos melhores trabalhos vocais de Ozzy no disco, e mais uma grande canção!

“BEHIND THE WALL OF SLEEP”

4 – “N. I. B” – O lado B se encerra com uma introdução FENOMENAL (se chama “Bassically” na versão americana do álbum) do baixo de Gezzer Butler (alternando distorção e apurada técnica de pedal wa wah), que é um dos grandes momentos das “quatro cordas” na história do rock! Logo em seguida, se consiste basicamente no riff da música (com guitarra, bateria e vocais potencialmente “matando junto”), e tem uma sutil semelhança com “Sunshine Your Love” do Cream (mais um exemplo da “pesação” que vinha acenando o gênero). A letra discorre sobre o próprio diabo, que ao seduzir e se apaixonar por sua “presa”, muda completamente em prol do amor. Funciona como uma metáfora para os relacionamentos afetivos. não acham? Não só é uma das melhores canções da história da banda, como um dos maiores clássicos do HEAVY-METAL de todos os tempos!

“N.I.B”

5 – “Evil Woman (Don’t Play Your Games With Me)” -Primeira música gravada para o disco e também o primeiro single de trabalho, é um cover da obscura banda americana Crow. Claro que foi uma sugestão quase “desesperada” do produtor Rodger Bain, que mediante o material “trevoso” que se materializava, pensou em ter algo mais acessível para de repente “salvar” o disco. Intuições que FALHAM… Pois é, apesar da levada mais rhythm and blues, o resultado final é ÓTIMO, e o LADO B começa com uma BOA suavizada. A letra conta a história de um homem que vê o próprio mal encarnado na figura da sua amante, por se sentir péssimo com a possibilidade do adultério, e traz metáforas muito bem construídas.


“EVIL WOMAN (DON’T PLAY YOUR GAMES WITH ME)”

6, 7 – Sleeping Village/ The Warning” – A introdução de instrumental acústico (“A Bit Of Finger” na versão americana) que denota mistério, e o vocal extremamente emotivo de Ozzy sussurrando sobre um vilarejo que traria “paz de espírito” (“Sleeping Village”), impacta novamente. Surpreendentemente a entrada de um instrumental avassalador, com várias quebradas de riffs “pesados até a medula”, arranjo de bateria incrível, e dois belos solos simultaneamente sendo emulados (no fone de ouvido esse “jogo” fica mais perceptível), até uma microfonia nos levar de forma abrupta para “The Warning”! Uma levada mais melódica de guitarra e baixo, deixa a influência mais “bluezística” dos tempos do EARTH mais latente, com solo transbordando feeling de Iommy. Adentramos em outra dinâmica repleta de novas possibilidades (sem abandonar o blues), com a guitarra “comendo solta” nos solos com ares de improviso e jam session!

Retoma-se o riff de baixo inicial e a voz hipnótica de Ozzy volta a declamar os avisos desesperados (provindos da natureza, de um sonho e da própria companheira ) para se afastar de uma mulher, denotando com as nuances “montanha russa” da canção, as várias fases desse relacionamento até o seu término. Esse petardo que fecha a versão inglesa (a mais distribuída ao redor do mundo na época), é uma versão de uma música de Aynsley Dunbar Retaliation, completamente subvertida! Um fechamento irrepreensível para um dos trabalhos mais influentes na história da música!

“SLEEPING VILLAGE/THE WARNING)

8 – “Wicked World” – Na versão americana do disco (lançada em 01 de junho de 1970) essa canção que simplesmente não entrou na prensagem britânica abria o LADO B. Confuso, não? Mas tivemos que conviver com essa realidade dupla até o lançamento do catálogo remasterizado em 1996. A banda lamentou demais a sua não inclusão, pois manteve o altíssimo padrão que o disco estabelecia. Mais uma vez (para variar!) o peso e alternância sonora potencializam! Bill Ward emociona com “viradas insanas” incríveis que pendem para o jazz-rock, nuances climáticas surgem em elemento surpresa, e somados ao solo furioso de Tonny Iommy, também nos fazem lamentar o fato de durante MUITO tempo essa música não pertencer definitivamente ao marco que foi o álbum “Black Sabbath”! A letra basicamente descreve as mazelas do mundo em tom político, e fica claro que os “perrengues” no passado do bardo proletário, com direito a expulsões de colégio, prisão, sub-empregos e a total falta de perspectiva futura, estão ali em tom de desabafo! SIM, vocês conseguiram chegar lá, e mostrar que o mundo estava muito LONGE do “paz e amor” da geração anterior.

“WICKED WORLD”

Além de toda a mudança musical que proporcionou, sendo influente a INÚMEROS gêneros dentro do rock até os dias de hoje, e definitivamente o marco zero para o que se consolidou como Heavy-Metal, basicamente sepultou aquele espírito revolucionário do final dos anos 60, em que protestos estudantis e hippies “floresciam aos borbotões”. A virada para o espírito pessimista da década que se iniciava, calcado em suas próprias visões de mundo (ocultismo e agressividade como “carro chefe”), representava uma juventude com novos interesses específicos. Essa ascensão mal-assombrada do Black Sabbath ao topo da música pop, juntamente com o gênero que despontou, está entre as grandes revoluções musicais e comportamentais do século XX.

Uma impressão minha particular, basicamente de restituição histórica… Bem mais tarde, em 1976, o movimento punk adentrava a Inglaterra, com a retomada de uma sonoridade mais simples, o lema “faça você mesmo” e entre outros bordões históricos, um do Sex Pistols sempre me intrigou: “finalmente os escrotos chegaram ao poder”! Isso foi EXATAMENTE o que o Black Sabbath com esse álbum fez bem antes, mas com um detalhe: SOZINHOS! Não havia um Malcom McLaren (empresário competente e marketeiro) por trás de toda aquela “revolução”. Se teve alguém que proporcionou tudo isso ESPONTANEAMENTE, repito que foi o Black Sabbath. E se você ainda não ouviu e não o tem em sua coleção, CORRA! Posso te assegurar que é ATEMPORAL, impacta consideravelmente ainda HOJE

Por Alessandro Iglesias

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