Milton Nascimento, Criolo e Femi Kuti, soberanos na primeira noite

 

miltonBack2Black mudou! Não em sua proposta já deveras consolidada, como o festival de música negra mais importante do Brasil e já estando na sua quinta edição consecutiva. Mas a localização! Sai o arquétipo de “estrutura underground classe A”, da desativada estação férrea de LEOPOLDINA (possivelmente não se enquadrou nas novas leis de segurança impostas a eventos e casas noturnas), para a polêmica e contestada CIDADE DAS ARTES (aquela antiga CIDADE DA MÚSICA, lembram?), em razão dos atrasos nas obras, embargos em contas e principalmente pela quantidade de recurso público investido. Será que dará certo?

A proposta da curadoria se manteve. Teremos artistas relevantes do mundo inteiro (entre novos talentos e nomes já consagrados) em 3 palcos simultâneos, conferências, palestras, exibição de filmes e as já “mais do que tradicionais” projeções em backlight pela estrutura do espaço. E vamos combinar, QUE ESPAÇO!!!

Impossível não ficar de boca aberta quando adentramos e nos deparamos com a grandiosidade e beleza do local. Todos acabam perdendo um BOM TEMPO andando (e fotografando) por aquele cenário fantástico, com incrível acabamento arquitetônico e paisagístico e pelo menos nesse contato inicial, o festival acaba ficando em segundo plano.

Depois da ficha “ter caído”, fui até o palco RIO, onde o congolês BALOGI, destilava o seu rap classudo, de textura sonora “sexy”. Ainda contou com a participação do nosso conterrâneo MARECHAL, nas rimas e improvisos, mas não deu para assistir muito tempo, porque na GRANDE SALA, o show de MILTON NASCIMENTO já estaria para começar.

Essa foi uma mudança que realmente não funcionou. Por esse show ser pago a parte, ele entra “abruptamente” no meio da grade do festival e em virtude disso, só pude assistir as duas últimas músicas da apresentação de KEZIAH JONES. Uma pena, pois o guitarrista nigeriano “arrasa”, com sua mistura “azeitada” de funk, soul, jazz e iourubá. Muitos lamentaram essa simultaneidade com MILTON, porque também era um dos shows mais esperados do Back2Black.

E novo choque ao visualizarmos a sala de concertos (batizada de GRANDE SALA pelo evento): estrutura, beleza, conforto, TUDO simplesmente sensacional! Observávamos todos olhando para o alto, ao redor, vislumbrando aquele local de rara beleza. Início de show e com toda a sinceridade do mundo, sem nenhum tipo de exagero: o melhor som de palco que já ouvi na cidade do Rio de Janeiro. Posso assegurar isso com exatidão, realmente esplendoroso! Começamos a pensar automaticamente de outra forma, que apesar dos pesares, nosso dinheiro teria sido muito bem empregado nesse sentido.

E o que mais teríamos a falar de um gênio como MILTON NASCIMENTO? O corpo dá sinais de cansaço, com movimentos lentos. Mas em compensação A VOZ nos maravilha intacta, com todos aqueles recursos técnicos grandiosos com minimalismo simultâneo, que o fizeram ser consagrado no mundo inteiro. A banda de acompanhamento um verdadeiro primor, impossível destacar alguém. Depois dessa pequena introdução, vocês duvidam que esse show não foi algo de sensacional?

Não tinha como não ser. Além de clássicos como “Bola de meia, bola de gude”, “Clube da Esquina 2”, “Fé cega, faca amolada”, “Para Lennon e McCartney”, “Maria, Maria” e “Travessia”, tivemos surpresas incríveis! A homenagem anunciada a sua mãe, “Lilia”, simplesmente um jazz fusion instrumental de arrepiar! Que HOMENAGEM… A reedição do seu dueto com a diva SARA VAUGHAN, em “Love and Passion”, com a jovem e linda cantora JÚLIA VARGAS, foi um singelo e belíssimo momento.

Vale registrar que NINGUÉM estava filmando o show de forma esquizofrênica como temos visto em todos os concertos atualmente. Que maravilha isso, essa moda poderia pegar, não acham??? Aclamado de pé por aproximadamente 15 minutos efusivos e nos deixando com gostinho de quero mais, SOBERBO MILTON NASCIMENTO, emocionando muitas pessoas…

Nisso, no palco ESTROMBO, a brasiliense RENATA JAMBEIRO, mostra uma garra que contagiou a todos com sua voz imponente, beleza, presença (é formada em artes cênicas) e repertório, que passeou por toda a “africanidade” possível. Batuques diversos, jongo, samba de roda, maxixe… Botou o povo para “suar o esqueleto”, literalmente. Sua maturidade nos palcos não é à toa, pois já levou a música brasileira 3 vezes ao continente africano (SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, CABO VERDE e MOÇAMBIQUE). Guardem bem esse nome, promete!

Com o séquito de fãs adquirido nos últimos dois anos, era natural que o show de CRIOLO no palco RIO fosse um dos mais esperados. E o cara cumpriu as expectativas! Acompanhado por uma “big band”, além dos sucessos já construídos (como “Não existe amor em SP”, “Bogotá”, “Subirusdoistiozin”, a releitura de “Cálice”, entre outras…), contou com a participação do lendário baterista nigeriano TONY ALLEN. Delírio total!

Com uma performance explosiva alternada com momentos de pura fragilidade, como quando pediu para que toda a energia da apresentação fosse emanada para os professores da cidade e sua luta diária… O jogo já estava ganho e mostrou que todo o “hype” em prol do seu nome não é exagero. Hip-hop e rótulos a parte a parte, é um dos grandes nomes da música brasileira surgidos nos últimos anos.

Tivemos ainda mais RENATA JAMBEIRO no ESTROMBO, só que dessa vez acompanhada do compositor LEANDRO FREGONESI. E o povo voltou a se levantar com sambas-enredos clássicos que a dupla tinha na cartola, não ficando ninguém parado! Belo aquecimento para o show de FEMI KUTI & POSITIVE FORCE, que já estava prestes a dar suas caras…

E que showwwww! Ok, temos o DNA pulsando forte ali, o cara é filho de nada mais, nada menos, da fenomenal lenda FELA KUTI, um dos maiores expoentes da história da música africana, o criador do chamado AFROBEAT. E o filho continua rezando na mesma cartilha, só que com ares mais experimentais e até progressivos em muitos momentos. Mas é uma “cacetada das boas” a força sonora que pudemos presenciar.

Além de excelente instrumentista (solos de sax fantásticos), FEMI comanda a sua banda como se fosse um grande maestro, mas a diferença é que energia e muito suor, são a sua mola mestre. Suas 3 dançarinas (e também backing vocals) dão um show a parte, com sua indumentária e maquiagem típica e MUITOOO gás em suas danças repletas de frenesi. Os comentários mais ouvidos eram: “mas elas não vão cansar”?

Foi uma verdadeira aula! A THE POSITIVE FORCE mostrou uma sonoridade avassaladora e FEMI parecia estar realmente “professorando” tudo aquilo que estava ocorrendo naquele palco, pois a todo instante repetia, “Brasil, isso é África, isso é o AFROBEAT”!  Bela lição, com grande parte do público entrando em catarse, como se estivessem em um grande transe coletivo.

Primeiro dia de Back2Black aprovado com louvor! Tirando alguma demora nas filas para se comprar bebida e a estrutura geográfica do lugar (querendo ir, preparem-se para andar MUITO), organização nota 10! E ainda temos mais dois dias…

Por Alessandro Iglesias

 

 

 

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