Álbum 2017 mostra que escolas passaram a tratar de forma especial os sambas

Que o quesito samba-enredo é um dos fundamentais para um grande desfile, isso ninguém que entenda ou não de carnaval sabe. Mas como falamos no ano passado, durante anos ele foi tratado com desprezo e hoje vive um momento especial. E o álbum das Escolas de Samba para 2017, que será lançado no dia 2 de dezembro mas teve sua prévia divulgada esta semana, prova que as agremiações passaram a tratar as suas obras com um cuidado cirúrgico. A boa qualidade das músicas, que foram produzidas novamente pelo gênio Laíla, que completou 50 anos à frente do disco, é a prova de como os dirigentes aboliram de vez o formato “funcional”.

O samba-enredo carrega indiretamente consigo, além do seu próprio quesito, obviamente, outros três. São eles harmonia, bateria e evolução. Então sua escolha se tornou algo muito maior que simplesmente o hino que embalará um desfile. E as agremiações perceberam isso, valorizando as obras e escolhendo quase que 100% delas com uma qualidade que não tínhamos há anos.

O disco em si mantém o formato de outros anos, com gravação ao vivo dando o tom. As baterias “vivas”, com cara de Avenida. Mas desta vez as faixas estão menos aceleradas, quase no andamento ideal para se ouvir em casa, como deve ser um CD. Os corais, por vezes altos em outros anos, agora está um pouco mais baixo e possibilitando que ouçamos a letra dos sambas.

A campeã Mangueira abre o álbum e tem a árdua missão de tentar ser bicampeã após um samba que foi a coqueluche do carnaval passado. Uma turma experiente, liderada por Lequinho, campeão diversas vezes na escola e com sambas históricos, entrega à Verde e Rosa um excelente samba sobre a religiosidade brasileira. Com destaque para a espetacular segunda parte da obra. Uma das melhores melodias de 2017.

Em seguida vem a Unidos da Tijuca. O excepcional Tinga canta “Música na Alma, Inspiração de uma Nação”, que narra a música americana com muitas boas sacadas. O refrão do meio tem tudo para ser um dos grandes momentos da escola, que sempre faz o dever de casa nesse quesito.

contra-capa
Contra capa do disco.

Tentando dar fim a um jejum que dura desde 1984, a Portela novamente repete a magia de levar sambas fantásticos para a Avenida. O “Foi um rio que passou em minha vida e meu coração se deixou levar” rompe com a estética batida das obras atuais e mete logo três refrões, intercalados por outras três estrofes. Gilsinho garante o sucesso da música.

Ultra popular pelos seus sambas, o Salgueiro mais uma vez promete ser a sensação pré-carnaval com as sacadas bem boladas de Marcelo Motta e cia. A melodia que passeia entre tom maior e menor tem seu auge no “Só entende quem é Salgueiro”. Na quarta-feira não terá “pecado”, as notas serão máximas se na Avenida o dever de casa for feito.

Mas é a faixa seguinte que traz o melhor samba do carnaval 2017: Beija-Flor de Nilópolis. Que melodia. Que refrões. Que samba. A escola com samba de qualidade é redundante, mas o enredo “A Virgem dos Lábios de Mel – Iracema”, clamado pela comunidade, nos brinda com uma obra-prima. Se não bastasse uma letra fantástica, ainda temos o privilégio de ouvir o maior intérprete vivo, Neguinho da Beija-Flor. Com esta obra a agremiação entra como uma das favoritas ao título

Imperatriz vem depois com mudança radical de estilo. Com o estreante Arthur Franco, a escola canta o Xingu com uma boa obra. Como virou costume, supracitado, mais um hino que rompe a estética comum dos sambas. O refrão do meio é deixado de lado para dar vez a duas estrofes que já fazem a passagem pra segunda. Melodia excelente e refrão fortíssimo.

Tem Axé na Sapucaí com a Grande Rio. Homenageada, Ivete Sangalo participa da faixa que canta sua vida. A escola é uma das poucas que ainda aposta numa obra bem funcional e que tenha os pré-requisitos para o sucesso de um desfile: Letra encaixa numa melodia que favoreça o canto. E um bom refrão, junto à melodia em tom maior que ganha vida com Émerson Dias, isso vira marca de Caxias.

Outra que é sinônimo de sambas de alto nível, a Vila Isabel brinda os sambistas com um dos melhores do carnaval. O extraordinário Igor Sorriso, melhor intérprete da nova geração, tem a missão de cantar uma obra que é perfeita. Letra acima da média que foge de clichês, melodia emocionante e dois refrões de fazer Noel Rosa levantar e querer sambar. Rivaliza com a Beija-Flor e Mocidade pelo título de melhor de 2017. Quem ganha? Nós todos que podemos ouvi-los.

Com um tema que à princípio parece complicado, “Onisuáquimalipanse” (Envergonhe-se quem pensar mal disso)” ganha vida no bom samba da São Clemente. E como centro nervoso disso tudo está Luiz Carlos Máximo, que lá em 2012 “meteu o pé na porta” do formato ultrapassado dos sambas de enredo e revolucionou na Portela. Agora em Botafogo, trouxe suas melodias costuradas e letras que ditam o ritmo. Outro com três refrões, sendo que o segundo é a cara da escola irreverente que era nos anos 80 e volta a ser: “Chega ao fim tanta cobiça, quem levou não leva mais”.

Quem tenta reviver o passado é a Mocidade. Voltando pela quinta vez a ser o intérprete da escola, Wander Pires transforma a faixa da galera de Padre Miguel na melhor do disco ao falar do Marrocos. A obra em si já nasceu antológica. Assinada por dois dos maiores compositores da nossa música, Altay Veloso e Paulo César Feital (ao lado de Zé Glória, J. Giovanni, Dadinho, Zé Paulo Sierra, Fábio Borges, André Baiacu, Gustavo Soares e Thiago Meiners), foi a grande vedete das disputas para 2017. Melodia totalmente fora dos padrões e linda, com uma letra impecável. Desagua num refrão principal espetacular. Como cereja do bolo, a bateria foi colocada num andamento que torna a canção ainda mais lírica. É a melhor obra da escola nos últimos anos.

“Nzara Ndembu – Glória ao Senhor Tempo” revive a União da Ilha com seus temas afros. Entre os compositores está Gusttavo Clarão, um dos responsáveis por ter mantido vivo o samba de qualidade na fase mais desastrosa do carnava, entre os anos 90 e 2000. E com suas melodias fortíssimas botou um refrão principal que tem tudo para estourar na Avenida. Tons menores que passeiam por maiores, passando direto pelo refrão do meio, método usado para não tornar as obras cansativas.

De volta após 16 anos, o Paraíso do Tuiuti, com a estreia do Wantuir, não quis ousar demais para quem vai abrir o desfile. Mas nem por isso tem um samba ruim. Com “Carnavaleidoscópio Tropifágico” apostou numa obra que cumprisse todos os quesitos que o julgamento pede, principalmente em letra. Melodia quase toda em tom maior, apenas nos dois últimos versos vai para menor e prepara para entrar num refrão que sinaliza bem o enredo tropicalista da escola de São Cristovão.

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